O Sublime Mar de Caymmi
João de Carvalho1
jocarv1984@yahoo.com.br
Resumo: Existem várias formas e estratégias usadas pelos cancionistas para associar os elementos verbais e sonoros, mas são poucas as canções que conseguem tal imbricamento de significados e diálogos entre os dois níveis de construção, a ponto de a própria macro-estrutura sonora se tornar um signo carregado de significado. Neste estudo desenvolveremos a análise da obra “O Mar”, de Dorival Caymmi, a fim de observar como os conteúdos semânticos ressoam nos vários níveis das estruturas sonoras, podendo atingir até a macro-forma de uma canção, tornando-a não somente uma receptora do conteúdo, uma fôrma, mas uma agente na construção do significado da obra. Através desta análise associaremos, na última parte, a categoria estética do
Sublime ao sentido geral desta obra.
Palavras-chave: Dorival Caymmi; Música Popular Brasileira; Relações entre letra e música.
Abstract: There are several ways and strategies through which songsters try to associate verbal and sonic elements, but few are the songs that succeed to intertwine meanings and dialogues between these two levels of construction, to the point of converting the macro-structure itself into a meaningful sign. In this study we will develop the analysis of the song “O Mar”, by Dorival Caymmi, aiming at observing how the semantic contents resonate on the various levels of the sonic structure, to the point of reaching the macro-form of a song, making it not only a receptor of the content, a mould, but an agent in the construction of the work’s meaning. In the last part of the analysis we will associate the aesthetic category of the Sublime to the general meaning of this work.
Keywords: Dorival Caymmi; Brazilian Popular Music; Relations between lyrics and music.
Introdução
(sobre “O Mar”)
...é uma canção que eu tenho vontade
que se lembrem de mim através dela.
Caymmi, 1978
Antes de iniciarmos a análise da canção proposta, convém que se façam algumas considerações sobre o significado dos elementos musicais. Seria a música, enquanto arte puramente sonora, dotada da capacidade de comunicação? E, como são construídos os significados que a música pode transmitir?
São muitos os autores que se debruçaram sobre este tema, e não pretendemos aqui fazer uma revisão sobre todo este debate, mas é necessário que nos atentemos ao menos para alguns fatos relevantes desta discussão. Eduard Hanslick defende, segundo Loureiro, que sobre a música “apenas se pode verbalizar os efeitos que ela produz nas pessoas, e que só a este nível é que se pode falar em significação musical” (LOUREIRO, 2004, p. 18). E acrescenta:
Mais algumas outras indicações, apontadas por Fubini, ajudam a reforçar as questões referentes à significação musical, como: (...) b) o significado não é uma propriedade das notas, nem muito menos, dos sons; ele está entre as notas e emerge sempre de um contexto relacional (LOUREIRO, 2004, p. 20).
Neste contexto relacional que a citação menciona, encontramos o caso da associação da “língua natural” com a música ou, em outras palavras, o caso da canção. É só através da conexão com um elemento extra-musical que podemos dizer que uma dada estrutura sonora representa algo. E a canção é um “prato cheio” para utilizarmos este tipo de raciocínio associativo, mas frise-se, as aproximações e interpretações que teceremos ao longo deste texto são possíveis justamente pela “contaminação” que o som sofre ao entrar em contato com valores semânticos dados pelo texto da canção. Não obstante, furtar-se desta percepção, desde ímpeto de análise, que se forja durante a apreciação de uma canção, é privar-se de algo que, muitas vezes, se constitui justamente como a “fatia mais saborosa do bolo”.
Dorival Caymmi já havia chegado ao Rio de Janeiro e possuía grande popularidade por conta de seu programa de rádio chamado “Caymmi e as Canções Praieiras” quando, em 1954, gravou seu primeiro Long Play. O trabalho reunia algumas de suas principais obras, e levou o título de Canções Praieiras. São apenas oito faixas, todas com o acompanhamento de seu violão, versando sobre temas retirados do cotidiano dos pescadores. Cinco anos mais tarde, Caymmi, em sua melhor “forma musical”, entra em estúdio mais uma vez acompanhado somente de seu violão, e grava um álbum clássico, considerado por muitos como seu melhor trabalho, intitulado simplesmente Caymmi e seu Violão.
Nesse disco, o compositor amplia o repertório de suas canções praieiras, regrava as oito anteriores e registra mais quatro, todas consideradas obras-primas e regravadas por diversos intérpretes ao longo dos anos. O registro que usaremos para a análise é a gravação de 1959. É importante considerar que a obra de Dorival Caymmi, suas composições, seu violão e sua voz, formam um todo coeso, onde compositor e intérprete trabalham com o mesmo rigor e paciência a fim de atingir o máximo de expressividade em cada canção. Justamente por isto é que a gravação de 1959 é o referencial mais sólido para amparar nossas reflexões. “O Mar” é a obra que abre o disco.
Análise
A canção se inicia com uma introdução surpreendente (ainda mais se a escutarmos imaginando-nos como ouvintes da época), composta de um movimento cromático em “zigue-zague” realizado por um acorde “menor com sexta”, ao violão. Parte-se de um si menor com sexta que, por um caminho descendente e cromático, atinge o acorde de fá# menor com sexta. A seguir, oscila-se entre um fá menor com sexta e um mi maior com sexta, para só então se apresentar a nota sol, que transforma este acorde, o fá# menor com sexta, em uma dominante com nona e décima terceira diminuta na segunda inversão com fundamental omitida. Ou seja, acontece algo durante os vinte e quatro primeiros segundos da canção que instaura uma atmosfera nebulosa e de incerteza, afinal, temos oito compassos que arpejam uma harmonia flutuante antes que se firme o tom da música: mi maior2.
Então surge da profundeza deste acorde a voz retumbante de Caymmi entoando “O Mar”. Notemos que esta melodia é composta por um movimento de quarta ascendente, do si (omitido pelo violão) para o mi (que finalmente resolve a progressão harmônica). Porém, quando o acorde maior perfeito surge com o primeiro motivo melódico da canção, logo começam a aparecer estranhezas na sua estrutura. Antes mesmo que a voz conclua seu fôlego na palavra “mar”, aparece um movimento melódico nas duas cordas agudas do violão, utilizando as dissonâncias de sexta, nona aumentada e nona:
Esta nota sol, que agora aparece no violão fundida a um acorde de mi maior, é na realidade um fá dobrado sustenido, uma dissonância muito incomum no contexto musical de Caymmi, e que retoma a sensação de tensão e incerteza instauradas pela introdução. O primeiro elemento semântico que surge na canção vem carregado de significados adjacentes por conta do plano sonoro construído pelo violão. A imagem que se forma é a de um mar misterioso.
Outro elemento surpreendente neste primeiro “gesto cancional” é a própria voz que canta o mar. Como um ideograma que se embebe da essência da própria coisa para representá-la, a voz que entoa a palavra “mar” adquire e reproduz características próprias do objeto representado, recriando-o virtualmente através do canto. A voz surge como uma onda (como, diga-se de passagem, o violão também tem se comportado, quer no sentido das oscilações de tempo, quer no âmbito de seu plano dinâmico).
Mas, depois de seis segundos sustentando esta onda de dúvidas, e daí? “O mar, quando quebra na praia...”, é o que diz a letra da canção. E, novamente, não diz de qualquer jeito. Ao pronunciar esta frase, o autor suspende mais uma vez o movimento e aplica à sílaba “que”, de “quebra”, um arpejo ao violão constituído de sétima maior, outra dissonância rara à época3, porém muito menos agressiva à tonalidade do que a sequência anterior. É nítido que agora este mar, suspenso novamente por um movimento melódico de quarta justa ascendente4, possui outros atributos. Agora mais leves (o movimento melódico do violão é mais um ornamento rápido do que uma melodia de contracanto, como no fragmento anterior) e estáveis (harmonicamente, a sétima maior em um acorde de primeiro grau não representa nenhuma tensão a ser resolvida).
A palavra contém uma outra estrutura sonora à qual o compositor deve estar atento na construção de sua obra. A sílaba, e o jogo destas “micro-sonoridades” que compõem a própria palavra, é o que Ezra Pound chamou de melopéia. Observemos que após a suspensão da sílaba “que”, no alto da melodia, o movimento descende ao seu eixo harmônico pelas sílabas “bRa na pRa ia”. Mais uma vez é como se a própria imagem descrita se materializasse através das propriedades físicas do som, no caso, do som mínimo das sílabas associado ao contorno melódico em forma de onda.
O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito! Depois de dizer tanta coisa, de maneira tão condensada, Caymmi arremata com a explicação mais doce, simples e convincente possível. O próximo fragmento melódico se vale das mesmas notas utilizadas pelo último, porém, como o próprio mar que sempre volta mas nunca é o mesmo, agora a melodia se divide em dois movimentos diretos, um de ascensão à nota si, e outro de retrocesso à nota mi.
Movimentos de caráter ascendente sugerem, por conta de um paralelo com a entoação linguística, a idéia de continuidade, dúvida, inconclusão. O primeiro “é bonito” soa quase como uma reflexão, uma ideia ainda não completamente acomodada pela razão. O mesmo si que fez vibrar a sílaba “que”, agora sustenta o primeiro “-nito”. Porém, no primeiro caso essa nota si era tão somente a quinta justa do acorde de mi maior; agora, no segundo caso, essa mesma altura corresponde a uma “décima primeira” do acorde de segundo grau, fá# menor, o que enfatiza a sensação de continuidade, dúvida e inconclusão. Já o segundo “é bonito” soa conclusivo, acomodando a ideia da beleza do mar através de seu perfil melódico/harmônico resolutivo.
Mais um último dado sobre este primeiro fragmento da canção: o perfil melódico utiliza somente quatro notas, estando mais próximo da sonoridade de uma pentatônica do que da escala diatônica5. Isto se torna significativo, mais uma vez por conta de todo o contexto já instaurado pela canção, pois o uso de uma escala pentatônica confere uma atmosfera circular à melodia. O semitom, elemento tão caro ao sistema tonal, é o que confere uma perspectiva ao movimento melódico. Esse elemento, que dinamiza o fluxo melódico através de tensões e resoluções, não está presente na melodia da obra inteira (como veremos ao longo do texto). Associando a atmosfera circular inerente à própria estrutura de intervalos do material escalar referido à questão de que toda esta primeira parte da canção é construída sobre um tempo extremamente lento, não métrico, onde o que dita as durações são os fôlegos fluxos e influxos que a fazem voz vibrar, o que resulta é a experiência de um tempo fora do tempo. Para este mar, quem dita o tempo não é o tique-taque de um relógio, são suas ondas.
Como explicar o que vem depois? Como descrever o impacto que o próximo segmento da canção causa quando se escuta pela primeira vez? Dizer que o próximo fragmento se encontra meio tom acima, que houve uma modulação, e que esta nova região harmônica se encontra distante e é nomeada como “submediante maior da mediante maior”. Dizer isto não revela o grau do impacto que o que vem provoca.
Ao interferir na continuidade de um objeto musical (sem a intenção de pontuação), o corte estabelece relações inesperadas e cria linhas de fuga, ativando uma sensorialidade nova, provocando uma liberação de forças (afetos) e reavivando a percepção. O corte aparece como uma transversalidade que produz novas percepções, como um elemento de desterritorialização que introduz uma escapada no território. Desta forma, o corte pode ser justamente um dos elementos que fazem a arte escapar do senso comum, daquilo que comunica, deixando-a trazer uma força que ainda não existe, que ainda não foi percebida (LOUREIRO, 2004 p. 86).
O fato de que este novo segmento da canção representa um corte brusco na atmosfera harmônica, ainda há pouco reforçada pela clássica cadência II-V-I, é algo digno de nota. A força deste corte inegavelmente provoca “uma liberação de forças” e afetos, como explica Loureiro. Ao associar este novo efeito/afeto ao motivo melódico inicial “o mar” (4ª justa ascendente), Caymmi mais uma vez inunda a imagem do mar com o que é próprio do mar: a maré que sobe, o tempo que muda, uma onda que cresce, uma angústia que espera, a atenção numa nuvem escura que surge no céu, a dúvida, a dúvida. Pescador quando sai nunca sabe se volta, nem sabe se fica. No hiato entre os tons, mi maior e fá maior, no corte, é que está inscrita a dúvida.
Todo o primeiro momento da canção foi dedicado unicamente à descrição do mar. Já este segundo momento, que se abre após o signo da modulação, é destinado à narrativa do drama humano dos que se envolvem com o mar.
Este segundo fluxo de movimento da canção, traz o que Luiz Tatit localiza como processo de “tematização”. O autor evidencia que existem alguns modelos de compatibilidade entre melodia e letra, e que quando existem “reincidências melódicas”, estas funcionam muito bem associadas à “enumeração das ações de alguém”. É este tipo de compatibilidade que se dá através das reiterações sobrepostas, a do plano textual e a do plano melódico, que corresponde à tematização. Podemos notar claramente esta relação no fragmento abaixo.
Esta segunda seção é basicamente uma variação da primeira, onde, além de se encontrar em outro tom, os dois fragmentos melódicos que compõem a primeira parte aparecem aqui transformados em duas frases maiores com o mesmo motivo reiterado três vezes em cada frase. Observando o diagrama acima, podemos verificar que o motivo assinalado é exatamente o que encontramos em “quando quebra na praia”. E assim como na primeira seção, em mi maior, onde perfil melódico foi apresentado duas vezes com a sutil variação harmônica que re-significou completamente a funcionalidade das notas da melodia, o compositor optou por também re-harmonizar a segunda frase desta nova parte. Porém, como seria o mais comum6, Caymmi não utilizou a mesma harmonia simplesmente transposta.
Se na primeira vez, ao dizer que o mar é bonito, o compositor utilizou-se de uma cadência perfeita, que enfatiza e resolve todas as tensões e intenções harmônicas, neste segundo momento o compositor opta por utilizar um movimento de “afastamento do centro tonal” ao encadear os acordes de “fá maior” e “si bemol maior”. Este movimento harmônico não é enfático, não deixa clara uma tonalidade, que tanto poderia ser fá maior quanto si bemol maior. Fica uma sensação de vazio no ar (ou melhor, no mar), de algo não resolvido, de algo que se esvai nas ondas do arpejo do violão. A melodia entoada, na segunda frase (em si bemol), reforça as dissonâncias de nona e sétima maior7, o que corrobora a atmosfera do “algo que se esvai”.
É surpreendente como Caymmi coloca estes novos afetos em meio à permanência do mar, pois apesar de termos agora uma nova dimensão que se configura através do aspecto harmônico, a dimensão do vazio e da incerteza, ainda temos os elementos de constância que reforçam a identidade ambígua do mar. Continuam as dissonâncias de sexta e nona, o movimento melódico e os arpejos em forma de onda8, a relação pentatônica das notas da melodia, o motivo-tema “o mar” e o fluxo não métrico do ritmo. Estes elementos compuseram, na primeira parte da obra, uma imagem rica do mar, e que acabou se resumindo na adjetivação “é bonito”. A dimensão do “bonito” permanece lado a lado com a do “vazio e da incerteza”.
O primeiro personagem humano que aparece na canção é o pescador, e logo mais a família dos pescadores9 (mãe/pai e esposa). Esta entrada em cena é marcada por uma leve, mas significativa, alteração da pulsação rítmica. O texto apresenta, nos dois momentos, o caminho do homem entre a terra e o mar. Esse caminho é assinalado pela aceleração e desaceleração rítmica.
Para concluir as considerações sobre este fragmento, não podemos deixar de registrar a magistral reverberação silábica presente no arremate desta segunda parte. Assim como “quebra na praia” produz uma profusão de sentidos facilmente associados à imagem em questão, não é difícil auscultar o som da praia atravessando por todos os lados as sílabas de “nas ondas do mar”, onde o “r” final é mais uma vez ressaltado na interpretação vocal de Caymmi. Temos “as - o - as - o - ar”, “n - n - m” e “– d d –” , além de um quase anagrama fônico entre “ondas” e “do mar”.
Enfim, tudo retorna ao tom de origem e a primeira seção da canção é re-exposta. Isto significa que, mesmo considerando toda a existência trágica do mar, por fim os elementos positivos que compõem a beleza do mar, e que se mantiveram presentes mesmo durante toda a seção trágica, agora sobressaem. Toda esta parte que se passou no tom de fá maior funciona como se estivesse suspensa no pensamento, como se fosse a própria explicação para o fato de se hesitar em afirmar que o mar é bonito.
Se por um lado a perda foi associada à desaceleração, esta nova confirmação de que o mar é belo, ainda que trágico, vem mais uma vez pontuada por uma mudança rítmica. Não é propriamente uma aceleração o que acontece ao fim da re-exposição; é, antes de mais nada, um corte no plano rítmico que vinha se estabelecendo. Mas para que este corte não seja percebido de maneira brusca, para que não haja choque, Caymmi rompe com o plano não métrico, instaurado desde o início da obra, somente no acompanhamento do violão, antes mesmo de finalizar sua conclusão, “é bonito”. Assim, o violão começa a marcar a rítmica sincopada do samba, enérgica e corporal, enquanto a voz ainda pronuncia sua última onda melódica sobre o “mar”.
Se, como já havíamos notado anteriormente (na análise da parte em fá maior), o fluxo temporal lento e não métrico havia se associado à imagem do mar através da lentidão pronunciada de seu movimento em contraposição a uma clara aceleração sob os domínios da terra, do homem e de seu drama na terra, ao fixar-se de uma vez, e agora de maneira enfática, em um ritmo métrico e mais acelerado, Caymmi volta do mar. Neste mar (canto) que invade a terra (prenunciada pela rítmica viva do violão) encontramos a praia, o contato da terra com o mar, virtualmente encenado pelo diálogo musical entre o cantor e seu pinho. Desta maneira, o compositor retorna à terra, ao pé que pisa e dança no chão, ao samba anunciando a alegria do amor de terra, do “bem de terra”, no romance de Pedro e Rosinha.
Entramos nos domínios da tematização: agora os motivos melódicos são reiterados de maneira quase obsessiva e dá-se início à descrição dos acontecimentos. Na parte anterior, lenta, houve o predomínio da relação de compatibilidade conhecida como passionalização10, ainda que de maneira ambivalente, pois se tratava de uma descrição do mar e os motivos melódicos também eram claramente reiterados (o que, a priori, relaciona-se com a tematização).
O diagrama acima deixa evidente o processo de tematização, já mencionado, que reforça a credibilidade do que está sendo dito pelo canto. Aqui se estrutura o perfil melódico básico que irá costurar toda a seção rápida da obra, sendo re-exposta seis vezes durante as três estrofes que compõem esta parte. A alteridade desta melodia se dará através de três processos básicos: 1- transposição do perfil um grau escalar abaixo, ficando na região harmônica da dominante; 2- variação na quantidade de reiterações do motivo/motor, em decorrência da adequação ao texto de estrutura assimétrica, e; 3- re-significação estrutural das notas da melodia, ocasionada pela variação harmônica.
Ao se referir a Pedro, o compositor não resolve sua harmonia; ela fica em suspenso (pois conclui a frase na dominante), esperando um complemento. A apresentação de Pedro só se resolve quando aparece a personagem de Rosinha. Notemos que o texto da canção em nenhum momento revela que Pedro gostava de Rosinha:
Pedro vivia da pesca
saía no barco seis horas da tarde, só vinha na hora do sol “raiá”.
Todos gostavam de Pedro
e mais do que todos, Rosinha de Chica,
a mais bonitinha e mais bem feitinha de todas as mocinhas lá do arraiá.
Só podemos imaginar que o amor de Rosinha é correspondido por causa do movimento de inconclusão, e posterior resolução, que a harmonia exerce sobre o canto/conto. A harmonia é responsável por atar sonoramente as duas sentenças em uma unidade maior, a estrofe. Quando Caymmi diz que Pedro é pescador, saía no barco no fim da tarde e só voltava pela manhã, ele não conclui a apresentação do personagem. Ele ainda está falando de Pedro na segunda frase, que o personagem é querido por todos, quando surge a figura de Rosinha, que gosta de Pedro com uma intensidade superior à de qualquer um dos habitantes do povoado. A apresentação de Pedro se conclui quando a canção diz que, aquela que mais gosta de Pedro é a mais bonitinha, e mais bem feitinha dentre todas as mocinhas do “arraiá”. Agora sim, discussão encerrada, fica clara a soberania de Rosinha perante as outras pretendentes de Pedro.
Experimentemos cantar este mesmo fragmento invertendo a ordem da letra e conservando a sequência original da melodia. A apresentação agora começa frisando o quanto Pedro é querido pela comunidade, e que Rosinha gosta muito dele, mas na hora em que o narrador exalta a beleza de sua pretendente, sua “bem feitura”, comparando-a às outras mocinhas do “arraia”, a harmonia da canção, que estava em repouso, se movimenta e apresenta uma tensão, um algo além para se dizer. É como se, mesmo Rosinha sendo a pretendente ideal, ainda não fosse o suficiente para Pedro. Talvez a possibilidade de se relacionar com qualquer uma das outras mocinhas – mesmo que nenhuma delas goste tanto dele ou seja muito atraente –, inspirem nele a liberdade que ele encontra ao sair para o mar. E como Pedro resolve esta tensão? Saindo para o mar, trabalhando, e voltando pela manhã. Quem sabe um novo dia resolva o seu conflito?
Brincadeiras à parte, isto demonstra como a tensionalidade harmônica ocupa um papel extremamente relevante na construção do sentido deste trecho da canção. Este jogo entre inconclusão e conclusão se repetirá durante toda esta parte mais acelerada.
Na segunda estrofe, acontece uma alteração à rotina. Pedro sai para o mar como todo o faz os dias, às seis horas da tarde, mas não volta pela manhã. A melodia, como descrito anteriormente, é inconclusiva e é deixada em aberto, reforçando o sentido da dúvida: “O que será que aconteceu com Pedro?”. É importante notar que a harmonia reflete esta mudança da rotina, ainda que não altere substancialmente a relação de “repouso-tensão-repouso”, já descrita. Se na primeira estrofe da parte rápida a harmonia havia se apresentado como a mais simples possível, sem as dissonâncias que caracterizaram a seção lenta, nesta segunda estrofe surge algo relativamente incomum. O acorde de acompanhamento passa de um simples mi maior (da primeira estrofe) para um mi maior com sétima maior (na segunda estrofe). Este acorde, por si só, não representa algo novo no contexto da obra, pois logo na primeira parte da canção ele já havia aparecido para compor a imagem do “mar quando quebra na praia”. Porém, essa dissonância que tinha se manifestado na forma de um suave ornamento nas cordas agudas, aparece agora através de um movimento incomum nas cordas graves do violão. E ainda, em vez de este acorde caminhar diretamente para a dominante (B7), como da vez anterior, o compositor o lança ao segundo grau (F#m7), dando início à cadência “II-V-I”, o que nos “afasta”11 do centro tonal e amplifica a dúvida do “para onde vamos?”. Para onde foi Pedro?
Não só este “mi maior com sétima maior” já havia sido utilizado na seção lenta, como também esta mesma cadência (II-V-I) fora apresentada para confirmar a idéia da beleza do mar. O mar é bonito quando quebra na da praia. Mas é justamente na praia que ele é bonito?
Deram com o corpo de Pedro jogado na praia,
roído de peixe, sem barco, sem nada, num canto bem longe lá do arraiá.
Esta imagem é extremamente forte. São poucas palavras, mas muitos significados. Dizer que encontraram o “corpo de Pedro” é bem diferente de dizer que encontraram “Pedro morto”. Pedro não estava ali, ninguém achou Pedro. Acharam o corpo, poderiam ter encontrado o barco, ou a roupa, ou alguma coisa que pertencia a Pedro, assim como o corpo, mas que não era Pedro. E dizer ainda que o corpo de Pedro foi “jogado na praia” informa muito mais do que o local em que encontraram o corpo de Pedro. Evidentemente, foi o mar que jogou o corpo de Pedro na praia. Ele não “devolveu Pedro sem vida à praia”; ele não “colocou o corpo de Pedro na praia”; e ele não “deixou o corpo de Pedro na praia”. O mar foi violento ao se desfazer do corpo de Pedro, mas Pedro, ele não devolveu! Pedro ficou com o Mar. E ainda, ao dizer que encontraram o corpo “roído de peixe, sem barco, sem nada”, a narrativa mais convoca do que conta, e somos obrigados a completar a imagem em nossa própria mente, o que torna ainda mais viva a sensação de terror. O que seria este “tudo” que agora virou “nada”? A roupa do pescador, seu barco, sua vida, sua força, seus olhos, seu nariz, sua orelha, suas vísceras? Todo roído de peixe. Hoje é o dia do peixe, não do pescador.
O fato é que o samba não para. O ritmo não desacelera, o perfil melódico não muda e continuamos sob o domínio da tematização. É que tudo isto, apesar de trágico, ainda é uma descrição de um “algo que acontece sempre”. Na primeira parte da canção já havia o aviso de que muita gente perdeu “seus marido, seus filho nas ondas do mar”. E esta história, a história de Pedro, findou-se na praia, num canto afastado do arraial. Findou-se para quase todo mundo, menos pra Rosinha de Chica, que gostava mais de Pedro que qualquer um do povoado.
A próxima estrofe versa justamente sobre o que aconteceu à Rosinha de Chica. O jogo das tensões harmônicas presente na primeira frase deste novo segmento continua o mesmo, aparecem aquela sétima maior no baixo do acorde de mi, e a melodia repousa sobre o acorde de segundo grau. Novamente sabemos que o pior, a maior tensão, virá ainda depois desta frase. Assim como de imediato não se revelou quase nada na primeira frase da estrofe anterior (simplesmente Pedro não regressou na hora de costume), Rosinha parece, não se sabe ao certo, que endoideceu. É interessante notar também a oposição existente entre ser bonita e doida. Que espécie de doida é esta que se torna feia, ou que beleza era aquela que só existia em harmonia à saúde mental?
Vive na beira da praia, olhando pras ondas,
andando, rondando, dizendo baixinho: morreu, morreu...
morreu, ó!
Nas duas primeiras estrofes os finais das frases melódicas incidiam sobre a rima “raiá” (“sol raiá” e “do arraiá”12), um duplo encontro vocálico que enche de luz as palavras, presente também em “praia”. A segunda estrofe é pontuada exatamente pelas mesmas palavras; porém, estas aparecem sempre sob uma sentença negativa, transformando seus significados e ofuscando um pouco seu brilho natural. O “sol raiá” não vem com Pedro, e o “arraiá” está longe. Nesta terceira estrofe, some praticamente todo o brilho das palavras, e a pontuação das frases melódicas se dá através de um outro encontro vocálico, agora escuro, “eu” (“endoideceu” e “morreu”). Observemos a mudança sonora que ocorre na descrição da Rosinha na primeira e na terceira estrofes:
Rosinha fica na praia, o último resquício de luz da estrofe, olhando as ondas, andando13. O diálogo interno descrito é muito rico, pois ao mesmo tempo em que se lamenta, Rosinha tenta se convencer do fato de Pedro ter morrido, ela olha obstinada para o mar, vigiando e sofrendo todo o conflito entre a beleza e a crueldade do mar, que continua quebrando na praia.
Ao descrever o conflito interno vivido por Rosinha, voltam pouco a pouco os aspectos que configuram o retorno à beleza do mar. A desaceleração é marcada por uma fermata na palavra “ondas”. Durante toda a parte rápida da canção, nenhuma vez sequer foi mencionado o mar. O mar é aquele elemento que, de tão presente, e ainda que “tão bonito”, não é sempre que se tem a dimensão de sua beleza (intimamente associada à grandeza e ambivalência de sua força). É justamente na palavra “ondas”, e as ondas são a materialização do próprio movimento força do mar, que os parâmetros musicais relacionados ao tempo retornam ao estabelecido na primeira seção da obra.
Da mesma maneira que, na passagem da parte não métrica para a parte métrica, houve um corte gradativo nos planos da voz e do violão, o que naquele momento pudemos identificar como uma representação sonora da “praia”, este lugar de encontro entre a terra e o mar, acontece ao fim da parte de métrica regular14. Os lamentos, e as lágrimas (não é difícil imaginar que hajam lágrimas), fundem-se às próprias ondas do mar.
A sequência do “morreu, morreu, morreu, ó!” possui um caráter de figurativização enunciativa (a interjeição e o perfil descendente reforçam o tom de lamentação) associado às características do processo de passionalização15 (valorização das durações vocálicas e perfil com saltos, mais “orgânico” e menos reiterante).
Harmonicamente, este último “morreu, ó” reapresenta aquela nota sol, que nos primeiros momentos da canção foi decisivo para caracterizar a ambiguidade da beleza do mar. Essa nota se funde ao acorde de mi menor com sexta (mesma tipologia de acorde que marca a introdução), que prepara o retorno do motivo/tema do “mar”. Repete-se a primeira seção apresentada. A única diferença é um leve alongamento da cadência final, o que lhe confere mais ênfase, e uma dramaticidade conveniente ao final da canção.
O sublime
... se trata do mar que bate sua nata de escuma
se eu disser que o mar começa você dirá que ele cessa
se eu disser que ele avança você dirá que ele cansa
se eu disser que ele fala você dirá que ele cala
e tudo será o mar e nada será o mar...
CAMPOS, H. (in Galáxias)
Mas que tipo de beleza é esta a do mar?
Dorival Caymmi, compositor de tantas pérolas, cancionista de primeira grandeza, refinado, moderno e popular, era particularmente encantado por esta canção. Compô-la, segundo consta (CAYMMI, 2000), em Itapuã, no ano de 1938, com apenas 24 anos, mas foi recompondo-a durante toda a vida, colocando e tirando acordes, mudando detalhes, aperfeiçoando-a. Mas, que tipo de beleza há neste “é bonito” adjetivado ao mar, capaz de tornar esta canção a eleita pelo compositor para representar sua, se não vasta, magnífica obra? Além do refinado artesanato da canção, onde texto e som formam uma unidade indivisível, existe sempre, segundo o próprio Caymmi, um “gostar do tema, do assunto”. E que beleza é esta então que existe no mar quebrando na praia?
* * *
Ariano Suassuna, em seu Introdução à Estética, passa em revista alguns dos filósofos que trataram dos assuntos relacionados ao tema da beleza, e algumas das principais categorias do sentimento estético. Dentre elas está a categoria do belo conhecida por Sublime.
De acordo com Aristóteles, o Sublime tem em comum com a Beleza do Horrível o fato de que ambos pertencem ao domínio do grandioso, das proporções desmesuradas, distinguindo-se, porém, os dois, porque o Sublime é uma forma de Beleza ligada à harmonia e a Beleza do Horrível é ligada à desordem, ao que é feio e repugnante em grandes proporções (SUASSUNA, 2002, p.107).
Este mar que Caymmi exalta é registrado sob a óptica de quem está na beira da praia e, ao ver as ondas quebrarem, conhece a dimensão de sua força. Trata-se justamente de perceber este “domínio do grandioso”, esta “proporção desmesurada”, que caracterizam o Sublime. Se por um lado o Horrível está relacionado ao “que é feio e repugnante em grandes proporções”, podemos estender para o Sublime as características de “belo e atraente em grandes proporções”.
Em “O Mar”, tentei dar a sensação de como se renova diariamente a tragédia dos homens e mulheres dos cais da Bahia. A história de Pedro e Rosinha, o pescador e sua noiva, está contida no motivo maior da beleza do mar (CAYMMI, 1978, p. 10).
Estas palavras de Caymmi revelam muita coisa. Primeiramente, o autor tenta “dar a sensação”, e não explicar ou verbalizar sobre a relação homem/mar. Este dado corrobora com nossa leitura durante a análise da canção, principalmente nos momentos em que apontamos os processos de “ideogramização” do conteúdo. Em segundo lugar, ao se referir a Pedro e Rosinha como “o pescador e sua noiva”, Caymmi deixa claro que existe uma dimensão muito mais ampla nos vazios da história (em nenhum momento existe qualquer indício de que a relação de Pedro e Rosinha tem a natureza de um noivado), e este vazio deve ser preenchido com a participação ativa da nossa imaginação. E, em terceiro lugar, o autor revela uma estratégia para dar a “sensação” daquela beleza grandiosa ao dizer que a história do pescador está “contida” no motivo maior da beleza do mar. A canção descreve o drama humano, e o enfatiza ao lançar mão de imagens de forte apelo emocional (como a decomposição do corpo do pescador e da beleza de Rosinha), para descrever a beleza do mar. Esta canção não é sobre o pescador, é sobre a beleza do mar, da onda que quebra na praia. E esta beleza é tão grandiosa que é capaz de conter dentro de si o drama humano, sendo maior que ele, sendo anterior e posterior a ele. Caymmi torna a organização formal da canção extremamente relevante para a percepção desta beleza do mar. Esta noção do estar contido aparece presente tanto no interior da primeira parte, como na relação desta com a segunda.
E o jogo conflituoso entre as forças positivas e negativas do mar, também presente durante toda a canção, é outro ponto que define este “bonito”. O Sublime se caracteriza:
... para Lalo, num conflito de ideias, tendo sempre, por isso, uma espécie de caráter religioso, por causa da solenidade e da majestade das ideias superiores que, nele, aparecem em conflito. (...) Daí podemos deduzir que o Sublime é aquele tipo de Beleza cujo núcleo é uma meditação que nos desperta um sentimento estético de solene terror pela fatalidade das ideias em conflito (SUASSUNA, 2002, p.113).
Conclusão
No documentário Um certo Dorival Caymmi, de Aluísio Didier, o compositor diz, com seus olhos vidrados de lembrança, em uma fala pausada e repleta de vazios:
Com palavras, realmente não há como descrever isto. Mas com canções, Caymmi foi capaz de descrever tudo que há no bonito do mar.
Referências
CAYMMI, Dorival. Cancioneiro da Bahia. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1978.
DIDIER, Aluísio. Um certo Dorival Caymmi. Europa Filmes, 2007. (DVD)
LOUREIRO, Mário C. A. Comunicação Visual: o corte como substrato da composição e seus efeitos na forma e no movimento. 2004. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. 5. ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002.
1Violonista e compositor. Possui graduação em Música/Licenciatura e especialização em Performance Musical (violão), ambos pela Universidade Estadual de Londrina.
2 Trataremos esta canção desconsiderando a scordatura realizada no violão, e nomeando os sons conforme soariam com a afinação tradicional. O violão foi afinado três quartos de tom abaixo da afinação padrão (algo entre um ré e um ré#).
3 Dois dados importantes: primeiro, tal elemento já está presente na gravação de 54, e segundo, é naquele ano de 1959 que surge o disco de João Gilberto, Chega de Saudade, marco-inaugural da bossa nova, e por extensão, da popularização do uso de acordes maiores com sétima maior.
4 O primeiro movimento melódico se dá entre as notas si e mi, e o segundo basicamente entre as notas fá# e si (com um sol# simplesmente como nota de passagem), ambos saltos de quarta justa ascendente.
5A melodia utiliza as notas si, mi, fá# e sol#. Uma pentatônica possível (existem muitos modelos de pentatônica) é si, dó#, mi, fá# e sol#.
6 Só o fato de utilizar acordes diferentes para harmonizar as mesmas notas já demonstra a existência de uma busca por algo que está certamente além da funcionalidade de um simples acompanhamento ao canto. Toda esta primeira seção da música poderia tranquilamente ser harmonizada com a alternância dos graus V e I, como fez recentemente um grupo de pop/rock que regravou “O Mar”. Logo, Caymmi se afasta do “medíocre” duas vezes, na primeira ao recusar a facilidade de utilizar a mesma harmonia para a mesma melodia (dentro da primeira parte), e na segunda ao recusar a facilidade da transposição harmônica literal (na segunda parte).
7 Estas dissonâncias aparecem sem preparação, aproximando-se de uma sonoridade à la Debussy, ao encará-las como colorido muito mais do que como tensões a serem tratadas e resolvidas.
8 Optamos por descrever somente as estruturas musicais que reforçam os conteúdos semânticos. Mas é importante deixar registrado que durante todo o tempo o violão continua apresentando dissonâncias de sexta, sétima, nona e décima terceira.
9 A concordância “(...) quanta gente perdeu seus marido, seus filho nas ondas do mar” (que aparece “corrigida” por Caymmi na versão escrita da letra em “Cancioneiro da Bahia”) revela muito mais do que um recurso de figurativização enunciativa, como postula Tatit; revela a própria natureza conflituosa do drama coletivo e pessoal. A dor da tragédia é constante, plural, mas ao mesmo tempo é singular, pessoal e intransferível.
10 Refere-se mais uma vez à teoria analítica de Luiz Tatit.
11 A “harmonia funcional” normalmente compreende o segundo grau como sendo “afastamento”, por sua relação de relativo menor com a subdominante. Para a harmonia tradicional, o segundo grau já representa uma preparação para o quinto grau, logo, já faria parte do movimento de “tensão”. Divergências à parte, mesmo se encararmos esta passagem pelo segundo grau como “tensão”, ela é, inegavelmente, uma prévia da tensão maior exercida pelo acorde do quinto grau. Ou seja, mesmo a interpretação de preparação para o quinto grau reforça o elo com o sentido semântico apontado.
12 Uma rima que não aconteceria na forma culta: “sol raiar” e “lá do arraial”.
13 Com tanta “onda e ando” ressoando no interior das palavras, é fácil de imaginar um “andando em círculos”!
14 Ao menos no que tange à regularidade do pulso, dos acentos e do compasso. É importante notar que a regularidade da quadratura (ou de qualquer outra contagem para a delimitação das frases e dos períodos) é praticamente inexistente.
15 Na primeira seção da peça há um predomínio do caráter passional, porém alguns “efeitos” típicos do estado passional, como o próprio despertar as paixões, são contidos pela monotonia melódica. Ainda existem o estado de introspecção e algumas micro-tensões que só podemos perceber se atentarmos para o fato de que há um conflito interno muito grande na compreensão do que é, e do que significa, o mar. Este tipo de contenção da paixão é típico de Caymmi, como bem analisa Tatit no capítulo em que trata deste autor em seu O Cancionista.