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"Tropicália": Imagens em Movimentanção1

 

Rachelina S. de Lacerda2

rachlacerda@gmail.com


 

Resumo: Partindo da Semiótica da Cultura, o seguinte trabalho se propõe a analisar a “literariedade” como procedimento estético na canção “Tropicália” (1967,) de Caetano Veloso, e os modos pelos quais ela dialoga com a linguagem vídeo-musical no videoclipe produzido pela banda Tantra (1997). Nosso intuito é demonstrar que, durante o processamento da informação, a inter-relação desses sistemas de linguagem pode desenvolver ressignificações artísticas para a dinâmica da semiose.

Palavras-chave: Semiótica da Cultura; poesia da canção; sistemas de linguagem; processamento da informação; semiose.

Abstract: Stemming from the Semiotics of Culture, the following work aims to analyze “literariness” as an aesthetic procedure in the song “Tropicália” (1967) by Caetano Veloso, and the means by which it maintains a dialogue with the video-musical language in the videoclip produced by the band Tantra (1997). Our aim is to show that, during the processing of information, the interrelationship of these language systems can develop artistic re-significations for the dynamics of semiosis.

Keywords: Semiotic of Culture; poetry of the song; languages systems; processing of information; semiosis.

A arte, ou melhor, o ícone, é aquele riso rabelaisiano da praça pública que desierarquiza todas as formas, atraindo-as para os baixos corporais da linguagem. [...] Irrompendo pelo discurso, o ícone rompe o automatismo verbal.”

Décio Pignatari


 

O sistema poético, mesmo apresentando uma complexa interação com outros sistemas semióticos, se expressa pelo signo verbal. Por isso mesmo, “[...] a poesia não quer ser coisa, mas sim semiose das linguagens em ação” (MACHADO, 2007, p. 199). Seguindo esse raciocínio, podemos compreender o avanço nas investigações semióticas realizado por Décio Pignatari em seus estudos sobre “a ilusão da contiguidade” e “o ícone e o ocidente”, contrapondo-se, em termos, aos estudos sobre “a função poética” da linguagem, desenvolvidos por Roman Jakobson. Segundo a professora Irene Machado, ao falar sobre o pensamento semiótico de Roman Jakobson (2007), a diferença de pensamentos entre os dois teóricos ocorreu pelo fato de que Jakobson procurou entender o “princípio poético” (a projeção do eixo de similaridade sobre o eixo de contiguidade) no campo da poesia e da prosa, ou seja, em nível linguístico, enquanto que Pignatari ampliou este entendimento, analisando-o em nível semiótico. Este último diz, em seu estudo sobre “o ícone e o ocidente” (PIGNATARI, 2004), que a consciência de linguagem implica consciência de sua organização icônica e que isto significa estar liberto da “ilusão de contiguidade”, ou melhor, do automatismo verbal (logocêntrico) das sociedades ocidentais que não conseguem perceber que até a própria palavra é um signo constituído não só de letra, mas de letra e fonema. Diante de tal problemática, ele argumenta ainda que o “Ritmo é ícone. O som com marcação de tempo é ritmo, assim como é ritmo a marcação espaciotemporal (na dança, no cinema ou numa cadeia de montagem) e a espacialização do espaço (na arquitetura ou na pintura)” (PIGNATARI, 2004, p. 181). O autor amplia a discussão para a organização dos sistemas não-verbais, ao dizer que “No cinema, na fotografia e na televisão há uma hierarquia icônica (analógica), pela maneira de ocupar o espaço e por todas as variações de distâncias e posições, desde os close-ups até as tomadas panorâmicas” (idem, p. 185).

Desta forma, Décio Pignatari parte do “princípio poético” ou ainda do conceito de “literariedade”3 formulado por Jakobson e amplia-o para a compreensão dos demais sistemas de linguagem não-verbais:

[...] Necessário se torna, agora, o aparecimento não apenas de linguistas tipo Jakobson, mas de semioticistas tipo Jakobson, para darem conta dos poemas não-verbais, que vão aparecendo por todo o mundo [...] (PIGNATARI apud MACHADO, 2007, p. 209).

 

Ampliando a perspectiva do pensamento de Roman Jakobson sobre “a função poética da linguagem”, para as mediações entre diferentes sistemas de signos em desenvolvimento na cultura, Pignatari marca a passagem do século XX para o século XXI, tempos estes em que a convergência das artes com as comunicações exigem-nos, cada vez mais, um exercício aguçado de se pensar o funcionamento destas linguagens não como transmissoras4 de mensagens, mas como produtoras de informação que “se desenvolvem como sistemas semióticos da cultura, e geram sistemas imprevisíveis de signos” (MACHADO, 2007, p. 59-60).

Para tanto, tomaremos o conceito de “literariedade” compreendido agora não só no nível linguístico, mas em nível semiótico, com o propósito de construirmos as inter-relações e inter-influências entre os sistemas da canção e do videoclipe, tornando-se necessária, ainda, uma breve explanação sobre a organização deste último sistema.

Com antecedentes no cinema de vanguarda entre os anos de 1920 e 1930, nos quais cineastas tentavam articular montagem, música e efeitos a fim de criar um novo tipo de “narrativa”, no sentido de romper com a linearidade que a literatura e o teatro transmitiam para a produção cinematográfica, surge o videoclipe, um tipo de filme curto que utiliza o suporte eletrônico (analógico ou digital) e que integra três sistemas de linguagem não-verbais – a música, o canto e a imagem. Porém, para que esse conjunto produza informações de caráter estético (a “literariedade” no sentido amplamente semiótico), ele necessitará dos recursos herdados da linguagem cinematográfica (montagem, ritmo, efeitos especiais (visuais e sonoros), iconografias, grafismos e movimentos de câmeras). Esses recursos proporcionarão a estruturalidade5 necessária para se constituir como sistema modelizante secundário6, da mesma forma que são a poesia e a música, e que por meio de estudos literários sobre a música popular brasileira (consolidados na década de 60), compreendem-se também como “unidade” na canção (PERRONE, 2008, p. 23):


 

[...] será necessário que se levem em conta as características musicais juntamente com os significados verbais ou funções culturais, para que se possa verificar a ação complementar que há entre a música e o texto. [...] De uma forma ideal, a letra se mistura com a melodia numa relação dinâmica de significados verbais, modelos sonoros, efeitos linguísticos e ritmo (PERRONE, 2008, p. 24).


 

Obra e Análise


 

Tanto o nome da canção de Caetano Veloso (1967) quanto a estética do Tropicalismo (movimento de vanguarda artístico-musical iniciado em outubro de 1967 e concluído em novembro de 1968), inspiraram-se na obra penetrável “Tropicália”7 (1967) do artista plástico Hélio Oiticica (Rio de Janeiro26 de julho de 1937 – Rio de Janeiro, 22 de março de 1980) e desenvolveram uma produção caracterizada pela memória e imaginação sendo invadidas por uma agitação de detalhes, que aproximaram diferentes estilos musicais, estéticos e culturais, nacionais e estrangeiros, criando obras que modificaram o panorama da música popular no país. É o que nos diz Celso Favaretto, que desenvolveu um dos primeiros estudos analíticos (“Tropicália, Alegoria, Alegria” – 1979) sobre a estética do Tropicalismo:


 

O Tropicalismo efetuou a síntese de música e poesia [...] Por ser inseparavelmente musical e verbal, é difícil tanto compor a canção como analisá-la. Ela remete a diferentes códigos e, ao mesmo tempo, apresenta uma unidade que os ultrapassa [...] (FAVARETTO, 2007, p. 32-33).


 

De fato, a síntese entre poesia e música na produção tropicalista revela uma complexidade que transborda para outros códigos, e um dos mais marcantes, principalmente nas produções iniciais, foi o cinematográfico. Partindo desse ponto, surgiu o interesse de investigar o videoclipe da canção “Tropicália”, gravada pela banda Tantra em seu primeiro álbum Eles Não Eram Nada (1996). A nova versão da canção arrancou elogios do seu compositor e no ano seguinte (1997) foi produzida em videoclipe com a participação do próprio Caetano Veloso e de Gilberto Gil, Jorge Mautner, José Celso Martinez Corrêa8, Marco Nanini, Elisa Lucinda, e atores do grupo “Nós do Morro". A produção concorreu, ainda, ao VMB9 daquele ano na categoria banda revelação.

Para tanto, antes de nos atermos à investigação intersemiótica da canção ao videoclipe, debrucemo-nos sobre a análise da letra:


 

T

 

 

 

 

41 emite acordes dissonantes
42 pelos cinco mil alto-falantes
43 senhoras e senhores ele põe os

44 olhos grandes sobre mim

 

45 viva iracema-ma-ma
46 viva ipanema-ma-ma-ma-ma
 

47 domingo é o fino da bossa
48 segunda-feira está na fossa
49 terça-feira vai à roça
50 porém...

 

51 o monumento é bem moderno
52 não disse nada do modelo
53 do meu terno
54 que tudo mais vá pro inferno
55 meu bem

56 que tudo mais vá pro inferno
57 meu bem

 

58 viva a banda-da-da
59 carmem miranda-da-da-da-da
 


 


 

ropicália

C

 

 

24 viva a mata-ta-ta
25 viva a mulata-ta-ta-ta-ta

 

26 no pátio interno há uma

27 piscina com água azul de amaralina
28 coqueiro brisa e fala nordestina
29 e faróis

 

30 na mão direita tem uma roseira
31 autenticando eterna primavera
32 e nos jardins os urubus passeiam
33 a tarde inteira entre os girassóis

 

34 viva maria- ia- ia
35 viva a bahia- ia- ia- ia- ia

 

36 no pulso esquerdo um bang-bang
37 em suas veias corre muito

38 pouco sangue
39 mas seu coração balança um

40 samba de tamborim

 


 

aetano Veloso

 

1 sobre a cabeça os aviões
2 sob os meus pés os caminhões
3 aponta contra os chapadões
4 meu nariz

 

5 eu organizo o movimento
6 eu oriento o carnaval
7 eu inauguro o monumento
8 no planalto central

9 do país

 

10 viva a Bossa-sa-sa
11 viva a Palhoça-ça-ça-ça-ça
 

12 o monumento é de papel crepom

13 e prata
14 os olhos verdes da mulata
15 a cabeleira esconde atrás

16 da verde mata
17 o luar do sertão

18 o monumento não tem porta
19 a entrada é uma rua antiga
20 estreita e torta
21 e no joelho uma criança

22 sorridente, feia e morta
23 estende a mão


 

A primeira versão de “Tropicália”, gravada no disco Caetano Veloso (1967) inicia-se com improvisações de instrumentos de cordas e naipes de metais, produzindo “ruídos” que imitam cantos de pássaros e, sobrepostos por instrumentos de percussão (atabaque, agogô e chocalhos), metaforizam um ambiente bucólico que dialoga com o texto paródico da “Carta de Pero Vaz de Caminha”10 trazido na abertura da canção. Tal texto, criado de improviso e recitado pelo baterista Dirceu, nos transporta de um espaço de belezas naturais que remetem à época do descobrimento para uma “tirada anacrônica” no final da narração improvisada (referência ao técnico de som Rogério Gauss que comandava a mesa de gravação), e que o músico e arranjador Medaglia não deixou escapar, resgatando, desta forma, o humor oswaldiano bem observado pelo crítico e poeta Augusto de Campos (1968), ao comparar a narração com a montagem de textos da “Carta de Pero Vaz de Caminha” feita no início da obra “Pau-Brasil” de Oswald de Andrade. (CAMPOS, 2008, p. 165).

Na versão da canção feita para o videoclipe, o arranjo instrumental do início ganha um acréscimo de guitarras aos instrumentos de percussão, reproduzindo sons que nos remete a um clima mais de suspense e mistério, diferente do bucólico da versão original. O texto parodiado de Dirceu da primeira versão é aqui sampleado, repetindo-se apenas a primeira parte (“Quando Pero Vaz de Caminha...”). Neste momento, aparece uma imagem difusa de um homem caminhando em direção à câmera entre duas bandeiras brancas com a Cruz da Ordem de Cristo11. À medida que a câmera vai se aproximando, as imagens vão ficando nítidas e percebemos o cantor e compositor Jorge Mautner no papel de ator, gesticulando e caminhando lentamente, como se estivesse desbravando uma floresta, semelhante à chegada dos colonizadores portugueses nas terras brasileiras, porém de uma maneira bastante inusitada: aparece sem roupas, com um escudo da polícia na mão esquerda cobrindo seu órgão sexual, e trazendo, na mão direita, um alto-falante. Ele continua avançando até sua imagem ficar novamente desfocada e sua sombra tomar todo o plano da tela.

Nessa cena, o arranjo perde o tom parodístico-humorístico da primeira versão, mas ganha uma ressignificação paródica pelo viés da crítica política. Interessante perceber que a nudez não está aqui por acaso, tampouco os demais signos representados. A nudez iconiza a censura no sentido de privação dos direitos de cidadania do povo brasileiro pelo Golpe Militar de 64 (em especial com o recrudescimento do Regime, em 68, por ocasião do AI-5) e o alto-falante, em vez de uma espada ou arma de fogo, simboliza o protesto contra a violência e perseguição militar (escudo cujo nome “polícia” aparece explicitamente gravado). A cena, portanto, coloca analogicamente dois momentos de forte exploração e violência no país: a colonização portuguesa e a ditadura militar. A recodificação nesta cena não excluiu a mensagem primeira e nem faz uma simples reprodução do texto da canção. Podemos dizer então que ocorreu uma modelização a partir da “existência de configurações sígnicas particulares, específicas e ainda comunicantes” (MACHADO, 2007, p. 29), de seu sistema audiovisual, cumprindo igualmente “o desígnio de explicitar a vinculação histórica do sistema que não surge do nada, mas elabora e redesenha procedimentos da experiência cultural” (idem, ibidem).

Nos dizeres do crítico Augusto de Campos (1968), o arranjo instrumental seguinte traz, na primeira versão, uma “faixa orquestral que incentiva o suspense” e mantém uma “tensão permanente” do ritmo pontuado pelos metais e pelo vibrafone. No videoclipe, esse mesmo arranjo é substituído pelas guitarras de Caetano e Fred, juntamente com o contrabaixo e a bateria. Neste arranjo, perpassa um tom revolucionário, aproximando-se mais dos ideais defendidos pelo movimento tropicalista – no uso antropofagicamente crítico das guitarras elétricas, do rock e do pop estrangeiros associados aos instrumentos e ritmos brasileiros (sem matrizes culturais) - do que o tom de suspense da primeira versão. O ritmo das guitarras e do contrabaixo, neste arranjo inicial do videoclipe, dialoga com a sequência fragmentária de imagens dos instrumentos sendo tocados, alternando-se entre as faces dos integrantes da banda e a de Caetano.

O mesmo arranjo instrumental continua no plano seguinte, onde aparece um dançarino usando um dos famosos “Parangolés”12 do artista plástico Hélio Oiticica. Segundo o autor, a obra de arte só passa a existir quando há a interferência de alguém: a estrutura depende da ação, onde as cores ganham expressão, em conjunto com a dança e a música, e essa relação com a dança (o samba, mais especificamente), numa imersão de ritmo, leveza e suavidade, faz o participante virar obra ao vesti-lo. No videoclipe, apesar do andamento acelerado dos instrumentos eletrônicos, o dançarino aparece girando em câmera-lenta, traduzindo, portanto, o significado de leveza e suavidade das cores na dança transmitidas por essa obra plástica.

Na cena sequinte, temos planos médios focalizando Caetano Veloso e os intregantes da banda e, à entrada do som da bateria (0min:52s), é mostrada uma visão geral da banda tocando num cenário revestido de plástico transparente e chão com areia, onde os integrantes pisam com pés descalços. Ambos os procedimentos remetem a mais duas obras plásticas produzidas nos fins dos anos 60. A primeira é da artista plástica Lygia Clark – “Arquiteturas biológicas” (1969), e a segunda, uma indiciação da obra penetrável já citada “Tropicália” (1967), de Hélio Oiticica, cuja estrutura possuía areia no chão e os visitantes só poderiam penetrá-la de pés descalços. Desta forma, a referência a tais obras designa as iconografias13 na linguagem do videoclipe e traduzem, por essa linguagem, o movimento, a participação, a interação e o despertar dos sentidos que caracterizaram o próprio Tropicalismo, tanto pelo caráter lúdico quanto pela presença do corpo na justaposição de diversos elementos culturais, essenciais à constituição das imagens tropicalistas:


 

Corpo, voz, roupa, letra, dança e música tornaram-se códigos, assimilados na canção tropicalista, cuja introdução foi tão eficaz no Brasil que se tornou uma matriz de criação para os compositores que surgiram a partir dessa época. Caetano e Gil, principalmente o primeiro, não mais abandonaram esta orientação, fazendo do corpo, no palco e no cotidiano, uma espécie de escultura viva (FAVARETTO, 1995, p. 35).


 

Sobre a composição de “Tropicália”, Caetano Veloso afirma, em seu livro Verdade Tropical (1997), ter sido impulsionado por visões cubistas, aspectos dadaístas e pelo cinema de Glauber Rocha (Terra em Transe e Deus e o Diabo na Terra do Sol). Para representar a construção moderna de Brasília contrastando “com o poder abominável dos ditadores militares”, decidiu-se que “Brasília, sem ser nomeada, seria o centro da canção-monumento aberrante que eu ergueria à nossa dor, à nossa delícia e ao nosso ridículo” (VELOSO, 1996, p. 126). Diante de tais afirmações, iniciaremos a análise pelas duas primeiras estrofes, a fim de compreendermos a organização da canção14. Podemos percerber que há versos longos em meio aos curtos e rimas, neste caso, emparelhadas (aviões/caminhões/chapadões), e cruzadas (movimento/carnaval/monumento/central) que se completam pela interpolação de rimas, como exemplo, entre os versos 4 e 9 (nariz/ país). Os três primeiros versos revelam-nos uma visão cubista, fragmentária, sincrônica e cinematográfica, que é orientada pelo nariz (quarto verso), apontando direcionamento ao eu-lírico, num clima de suspense do arranjo musical da versão original (presença de instrumentos de orquestra) e do tom sério, tanto no arranjo como na enunciação vocal, colocam-se como elementos que favorecem a anunciação de acontecimentos que serão realizados do quinto ao nono verso. Na versão do videoclipe, (01min:04s – 01min:13s) a câmera capta em plano médio15, o intérprete cantando a primeira estrofe e, em seguida, uma cena rápida onde aparece um pé ensanguentado esmagando um tanque militar (“Sob os meus pés os caminhões”). Essa cena traduz iconicamente a visão fragmentada dos versos da primeira estrofe e nos sugere ainda, pelo tom agressivo do arranjo eletrônico, um eu-lírico que, rebelando-se de torturas e privações, é tomado fisicamente por uma grandeza monstruosa que destrói seus opressores e impõe suas exigências. A orientação sugerida pelo apontar do nariz na primeira estrofe é recodificada na cena seguinte, durante a interpretação da segunda estrofe. Em close-up, o vocalista canta de frente para a câmera enquanto ao seu lado está Caetano Veloso de perfil (com o rosto em coloração azulada), traduzindo assim a altivez e a determinação do sujeito.

O tom de suspense no arranjo orquestral da versão original, trazido nas duas primeiras estrofes, muda para um arranjo com instrumentos de sopro e de percussão sublinhados por um ritmo sincopado que lembra o baião, havendo ainda uma intertextualidade com a produção musical de Luiz Gonzaga e com a tradição de onde saíram Caetano Veloso e Gilberto Gil (a canção “Domingo no Parque”, que lançou Gil, em 1967, é também um baião), dialogando com a marcação fragmentada das rimas finais em todos os refrãos: (viva a bossa-sa-sa/ viva a palhoça-ça- ça- ça- ça); (viva a mata-ta-ta/ viva a mulata-ta-ta-ta-ta); (viva maria-ia-ia/ viva a bahia-ia-ia-ia-ia); (viva iracema-ma-ma/ viva Ipanema-ma-ma-ma-ma); (viva a banda-da-da/ carmem miranda-da-da-da-da). No videoclipe, a canção vai de um arranjo mais forte do rock para ritmos mais sincopados durante os refrãos que lembram também os ritmos populares brasileiros, e, além de dialogar musicalmente com a fragmentação das sílabas finais dos refrãos cantados, os arranjos que acompanham cada um dos refrãos na versão do videoclipe, dialogam também com os códigos cinematográficos.

Com exceção do primeiro refrão, cuja imagem aparece desvinculada da cena em que o mesmo é cantado (a Bossa Nova é simbolizada em um plano rápido em que se vê um violão, em plano médio, passando para um primeiro plano do intérprete cantando e depois para um plano geral do cenário onde a banda está tocando), os demais refrãos são representados pela “unidade” de música, voz e imagem no videoclipe. Essa “unidade” ressignifica a fragmentação dos acontecimentos, o alto e o baixo, o sofisticado e o cafona colocados no mesmo plano, tal como o riso popular rabelaisiano, a “carnavalização” durante as festas populares medievais (Bakhtin, 2006), modelizando a informação trazida na canção pelo seu próprio sistema audiovisual.

Durante o segundo refrão (viva a mata-ta-ta/ viva a mulata-ta-ta-ta- ta), obervamos a mensagem poética (forma e conteúdo) dos dois versos cantados em diálogo com a mudança do rock para um ritmo mais sincopado, aos moldes do baião traduzido pela unidade do videoclipe. A “mata” e a “mulata” de olhos verdes são aglutinadas no figurino da atriz Elisa Lucinda, que dialoga com a canção e, ao mesmo tempo, com os recursos cinematográficos, num processo de montagem16 simultaneamente à marcação rítmica do “ta-ta-ta-ta” (“ta” – primeiríssimo plano nos olhos verdes/ “ta”- plano americano mostrando a mulata de olhos verdes vestida de “miss-brasil” (maiô, coroa de prata e faixa de papel crepom), com cabelos de “mata”, segurando uma sombrinha prateada/ “ta”- close-up no rosto e cabelo/ “ta” – primeiríssimo plano no sorriso de “prata”) traduzindo a miscigenação (“os olhos verdes da mulata”), a moda e sofisticação (concurso de beleza), em contraste com o cafona (adornos brilhosos, faixa de papel e dentes prateados).

Para compreendermos o procedimento utilizado no terceiro refrão (viva maria-ia-ia/ viva a bahia-ia-ia-ia-ia), precisamos analisá-lo em conjunto com a estrofe que o antecede:

na mão direita tem uma roseira
autenticando eterna primavera
e nos jardins os urubus passeiam
a tarde inteira entre os girassóis

 

Segundo Favaretto (1995), nesses versos Caetano traz uma cantiga de roda colocada como artifício de manipulação da política de direita, ao utilizar signos que remetem à pureza e à brincadeira inocente para encobrir ações fétidas da burguesia, mas que já são indiciadas pelos urubus rondando os seus belos jardins. No videoclipe (02min: 33s), a linguagem cinematográfica dessa estrofe faz um diálogo meta-sígnico com a canção “Domingo no Parque” (1967)17, remetendo tanto ao clima pueril de festa (sorvete) e à morte (faca), quanto à execução de características cinematográficas aos moldes das montagens einsesteinianas18 percebidas pela organização de sua própria composição (letra e música). Dando início ao terceiro refrão, a montagem continua em close-up no rosto de Gil tomando sorvete junto com o menino e primeiro plano em Caetano dublando a voz do intérprete. O ritmo dessa montagem no videoclipe dialoga com a marcação rítmica dos versos e esse momento é traduzido de maneira que capta a mensagem dos versos por uma montagem iconizada de características cinematográficas presentes em “Domingo no Parque”, ao mesmo tempo em que seus signos e seu compositor apresentam-se como iconografias na linguagem do videoclipe. Podemos dizer ainda que, além do diálogo estabelecido com a canção de Gil a utilização do baião no refrão da versão da banda Tantra é uma alusão a “Domingo no Parque”.

Somente na segunda parte do terceiro refrão, a montagem capta, novamente, a “unidade” (música, canto e imagem) através da iconicidade do ritmo. A estátua de Maria, mãe de Jesus (religião cristã) representada por uma atriz, trajando o figurino característico (o manto de Nossa Senhora e sua coroa), apresenta-se numa montagem de primeiríssimo plano do seu rosto inclinado, plano médio mostrando o figurino e a personagem de braços abertos, close-up em uma das mãos estendidas/ primeiríssimo plano no rosto e em seguida no coração externo (normalmente esculpidos em estátuas de Maria e Jesus Cristo) e plano americano na personagem de braços abertos. Em “viva bahia-ia-ia-ia-ia”, aparece uma personagem representando um orixá feminino (religião africana), numa montagem de primeiríssimo plano no rosto omitido por um imbé19, plano americano mostrando o figurino, plano americano em câmera lenta (da cintura para cima) enquanto a entidade representada gira dançando, seguido de plano médio e close-up no rosto, com a mesma câmera lenta captando o movimento circular da dança sobreposto por fitas coloridas do Senhor do Bonfim (cultura baiana). Se, na canção, segundo Caetano (1997), “viva maria” refere-se ao filme “Viva Maria”, de Louis Malle, com a atriz francesa Brigitte Bardot, e o “ia-ia”, em ambos os versos representa a maneira que os negros baianos chamam patroa ou mãe (iá - mãe em ioruba), no videoclipe essa essência permanece traduzida pela Maria, (mãe de Jesus) representando a religião cristã dos brancos europeus e pela orixá Yansã20 (protetora/mãe) representando a cultura baiana e a religião dos negros africanos, reunindo as diferenças no mesmo nível da festa.

Vale a pena ainda ressaltar as interrelações observadas nos versos que antecedem o quarto refrão. O “rei falso”, “bufão” representado pelo dramaturgo e ator José Celso Martinez Corrêa (versos 36 a 40) traduz o “entronamento/ destronamento”, segundo a carnavalização rabelaisiana (BAKHTIN). Por sua vez, o ator Marco Nanini representa o poder da religião e da cultura barroca em seu figurino (anjo dourado), e é notória a mudança de sua fisionomia irônica para esgares de espanto, suspiros e expressão de choro, captados em sequências aproximadas de um mesmo plano, o que metaforiza a repressão militar (censura) ao dialogar com os versos 47 a 44 (emite acordes dissonantes/pelos cinco mil alto-falantes/Senhoras e senhores eles põem os olhos grandes/ sobre mim).

O quarto refrão – versos 45 e 46 (viva Iracema-ma-ma/ viva Ipanema-ma-ma-ma-ma) faz uma representação aglutinada de Iracema/Ipanema (atriz vestida de índia (a personagem litero-lendária Iracema)). Inicia-se em close up em parte de um rosto (03min: 24s), seguido de plano médio do rosto inclinado de uma atriz vestida de índia. Logo depois, a imagem revela-se em visão panorâmica de uma índia deitada numa cadeira de praia e um guarda-sol armado ao seu lado, dando a entender que ela está tomando sol numa praia (Ipanema – nome de origem indígena água ruim - dado a umas das mais famosas praias cariocas. Fama essa devido à canção carioca “Garota de Ipanema” de Tom Jobim e Vinícius de Moraes), para então voltar, em plano médio, à índia repousada na cadeira, tomando sol. As justaposições rítmicas destes planos dialogando, em sintonia, com a repetição das sílabas finais e com o ritmo popular produzido pela canção, conseguiram processar a informação advinda da letra da canção, por meio das diferenças culturais (o passado romântico e o presente moderno) e étnicas (índio e branco), desmistificando, carnavalizadamente, princípios hierarquizantes e dominadores aos quais o Brasil esteve (e ainda está) sujeitado.

Na segunda parte da estrofe (03min: 27s), vê-se novamente o cenário revestido de plástico, os integrantes da banda e, em plano médio, os cantores Fred e Caetano, para dar destaque ao som da bateria (03min: 43s) com sequências de imagens fragmentadas dos integrantes ao ritmo do mesmo instrumento, e em seguida, percebe-se as reprises das cenas do videoclipe coladas umas nas outras como numa película de filme, rodando verticalmente (03min: 44s) e em seguida, horizontalmente (03min: 51s), numa velocidade que dialoga com o som em destaque da guitarra.

Por fim, durante os versos 47 a 57, ocorre um close up no vocalista Fred, depois em um violão em plano médio. Nesse momento, a bateria se destaca reproduzindo um ritmo sincopado, suingado que nos remete ao Axé/Olodum – ritmo popular/musical baiano. Este dialoga com o ritmo popular na versão original da canção, ao mesmo tempo que atualiza a memória/informação da cultura moderna/pós-moderna em sintonia com os avanços sócio-músico-artísticos apresentados em seus próprios versos (O monumento é bem moderno/ não disse nada do modelo do meu terno/ e tudo mais vá pro inferno/ meu bem). O verso que tudo mais vá pro inferno é mais que um verso da canção de Roberto Carlos. É uma forma de representar o contexto turbulento que apareceram as primeiras canções tropicalistas e sua relação declarada com o rock, para arrepio dos conservadores da Frente Ampla da MPB (representada pelo “O Fino da Bossa” de Elis Regina), que organizou em São Paulo (1967) uma passeata contra o iê-iê-iê da Jovem Guarda (programa comandado por Roberto Carlos), ficando conhecida como “marcha contra as guitarras elétricas”. E ainda, o verso não disse nada do modelo do meu terno alude ao figurino usado por Caetano Veloso: “[...] um terno xadrez marrom e uma camisa de gola rulê laranja-vivo [...]” (VELOSO, 1997, p. 118) no III Festival de Música Popular da TV Record do mesmo ano, quando ganhou o 4° lugar com a Canção “Alegria, Alegria”, música que teve como participação o grupo de rock “Beat Boys” (apresentaram-se com cabelos longos e ternos cor-de-rosa) e claro, o uso das guitarras elétricas, sendo então, diametralmente oposta ao conservadorismo da MPB defendido pela passeata.

Portanto, a investigação feita em algumas partes específicas da canção “Tropicália” de 1967 para o videoclipe da banda TANTRA de 1997, só demonstra o muito que o cinema-poesia desta canção tropicalista ainda tem a nos informar em diálogo com sua versão em videoclipe. A riqueza de detalhes e a polissemia alegórica de seus versos, ao serem analisados a partir da unidade do videoclipe, revelaram a “literariedade” pelos seus procedimentos estéticos de montagens fragmentadas e aceleradas, com planos (imagens) curtos, justapostos e misturados, narrativa não-linear, multiplicidade visual, riqueza de referências culturais e forte carga emocional nas imagens apresentadas em sintonia rítmica com o verbal e musical. E, neste ponto, a linguagem do videoclipe revela-se como um “texto da cultura” (MACHADO, 2007), que mantém relação direta com a linguagem que o precede (a canção), mas também é um gerador de linguagens, um espaço semiótico “onde as linguagens interferem-se e auto-organizam-se em processos de modelização” (idem, p. 31). Enfim, esta linguagem audiovisual conseguiu traduzir em semiose dinâmica a montagem excêntrica de “Tropicália”, cuja informação, além de ter sido processada, foi fermentada, fervilhada e transbordada para a “unidade” do videoclipe.


 


 

Referências

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Blog Multissenso. Obras de Hélio Oiticica. Disponível em: <http://multissenso.blogspot.com/2009/11/helio-oiticica-e-multisensorialidade.html>. Acesso em 10 de jul. 2011. 

Blog Multissenso. Obras de Lygia Clark. Disponível em: <http://multissenso.blogspot.com/2009/11/lygia-clark-mascaras-sensoriais.html>. Acesso em 10 de jul. 2011.

CAMPOS, Augusto de. “Viva a Bahia-ia-ia!” In: Balanço da Bossa e outras Bossas. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 159-172.

EISENSTEIN, Serguei. Palavra e Imagem. In: O Sentido do Filme. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

EISENSTEIN, Serguei. A Forma do Filme. Tradução Teresa Otonni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

FAVARETTO, Celso. A Mistura Tropicalista, A Cena Tropicalista, O Procedimento Cafona. In: Tropicália, Alegoria, Alegria. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 4. ed., 1995, p. 31-131.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Poética. In: Linguística e Comunicação. 22 ed. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 118-162.

LÓTMAN, I. O Conceito de Texto. In: A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Estampa, 1978, p. 101-112.

MACHADO, Irene. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial/FAFESP, 2003, p. 23-187.

_____. In Praesentia – Roman Jakobson no Brasil; Analógica da Linguagem (as ilusões perdidas na ação guerrilheira dos signos). In: O filme que Saussure não viu: o pensamento semiótico de Roman Jakobson. Vinhedo-SP: Horizonte Editora, 2008, p. 182-209.

MACHADO, Irene. (org.). Semiótica da cultura e semiosfera. São Paulo: Annablume/ FAPESP, 2007, p. 27-68.

PERRONE, Charles. Letras e Letras da MPB. 2.ed. Rio de Janeiro: Booklink, 2008.

PIGNATARI, Décio. A Ilusão da Contiguidade / O ícone e o Ocidente. In:­­­­­­­­­­ Semiótica e Literatura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

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_____. Tropicália. In: Caetano Veloso, Philips, 1967. 1 CD: digital, estéreo.

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XAVIER, Ismail. A Decupagem Clássica. In: O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. 4.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 27-38.

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Segmento da nossa dissertação de Mestrado orientada pelo Professor Dr. Amador Ribeiro Neto, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Letras da UFPB.

2 Graduada, Mestre e Doutoranda em Letras (estudos semióticos em poesia e canção) pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – UFPB.

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Para os formalistas russos (Jakobson) o termo “literariedade” é entendido como “os usos especiais da linguagem – que não apenas podiam ser encontrados em textos ‘literários’, mas também em outras circunstâncias da linguagem verbal.

4 Semiótica da Comunicação – “transmissão a partir de um código único em que o sistema monolíngue produz mensagens que são materialização desta língua única” (LÓTMAN apud MACHADO, 2007, p. 61).

5“Processo comunicativo que possa ser ‘língua’, sem ter claramente estabelecido seu código, ainda que admita que haja uma codificação.” (MACHADO, 2003, p. 147).

6 Todos os sistemas de linguagem verbais e não-verbais cuja “estruturalidade” baseia-se pelo modelo da língua natural (sistema modelizante primário).

7 “Uma instalação (na época ainda não se usava o termo, mas é o que era) que consistia num labirinto ou mero caracol de paredes de madeira, com areia no chão para ser pisada sem sapatos, um caminho enroscado, ladeado de plantas tropicais, indo dar, ao fim, num aparelho de televisão ligado, exibindo a programação normal” (VELOSO, 1997, p. 129).

8 Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Celso Martinês Correia, possuem uma participação profundamente importante na concepção do clipe. Ícones do movimento Tropicália, promoveram uma real ruptura estética e comportamental no final dos anos 60. No videoclipe analisado, aparecem como atores da própria obra, e, como ativos defensores dos ideais do movimento, abrem espaço para o hard- rock da banda Tantra e para a maneira direta (sem censuras) de expressar suas opiniões, sem perder de vista a qualidade estética.

9 Video Music Brasil - premiação musical realizada pela MTV Brasil, cuja primeira edição ocorreu em 1995 com o intuito de premiar os melhores videoclipes nacionais e internacionais por meio da votação de sua audiência e de um júri especializado para categorias técnicas.

10 “Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: tudo o que nela se planta, tudo cresce e floresce... e o Gauss da época gravou!”

11 Símbolo gravado nas velas das naus portuguesas, cujo significado era “transmitir” o Cristianismo aos povos pagãos.

12 Capas ou bandeiras para serem vestidas ou carregadas por uma pessoa, confeccionadas com panos coloridos, podendo integrar reproduções de palavras e fotos e que poderão ser visualizadas apenas quando a pessoa se movimenta.

13Imagens usadas como referências culturais para o repertório visual do clipe. Muitos videoclipes fazem referências a figuras de outras expressões culturais, como a literatura, o teatro, as artes plásticas, a dança e o cinema. Às vezes são feitas em forma de paródia ou pastiche.

14 A canção é constituída por 15 estrofes formadas por 4, 5 ou 7 versos cada uma, alternando-se entre longos e curtos. Os dois últimos versos de cada uma das duas estrofes que antecedem os refrãos, rimam: (nariz/país); (sertão/mão); (faróis/girassóis); (tamborim/mim); (porém/bem), além das rimas apresentadas entre os demais versos. Ao longo da canção, há 5 refrãos em forma de dísticos. Devido à sua extensão, analisaremos apenas algumas de suas partes para o presente trabalho.

15 Sobre a “Decupagem Clássica” (processo de decomposição das sequências e cenas de um filme em “planos”), XAVIER (2008) classifica os planos (segmentos contínuos de imagem) em: Plano Geral - a câmera toma uma posição de modo a mostrar todo o espaço da ação; Plano Médio ou de Conjunto – principalmente em interiores, a câmera mostra o conjunto de elementos envolvidos na ação (figuras humanas e cenário); Plano Americano – ponto de vista em que as figuras humanas são mostradas até a cintura, aproximadamente; Primeiro Plano (close-up) – a câmera, próxima da figura humana, apresenta apenas um rosto ou outro detalhe que ocupa a quase totalidade da tela; e Primeiríssimo Plano – variação do primeiro plano, que se refere a um maior detalhamento – uma boca ou um olho ocupando toda a tela (XAVIER, 2008, p. 27-28).

16 Processo de justaposição de imagens diferentes, filmadas separadamente.

17 Composição de Gilberto Gil, um dos fundadores do movimento Tropicalista, juntamente com Caetano Veloso, ganhou o segundo lugar no III Festival de Música Popular da TV Record, realizado no Teatro Paramount (SP) no ano de 1967.

18 Montagem de conflito/ colisão de duas peças em oposição. (Sergei Eisenstein, 2002).

19 Na cultura do Candomblé, o imbé (franja de pérolas, contas ou correntes) não faz parte da indumentária de um único orixá, mas sim, das Yabás (“Mães Rainhas”) Yemanjá, Oxum e Yansã. Não encontramos informações que explicassem o significado do seu uso.

20 Afirmamos que a Orixá representada no videoclipe é a Yabá (orixá feminina) Yansã, devido aos instrumentos sagrados particulares dessa entidade: a adaga (presa na cintura) e o eruexim (cabo de osso, madeira ou metal com cerdas de rabo de boi) em uma das mãos. Oyá ou Yansã é a Yabá guerreira-búfalo, rainha do fogo, dos ventos, tempestades, furacões e da paixão. O nome Yansã foi atribuído pelo seu primeiro marido, o Orixá Ogum, e significa “Mãe dos nove filhos”.