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Amélias: Imagens da Mulher de Verdade

na Canção de Ataulfo Alves

Amanda Beraldo Faria1

camisaflorida@yahoo.com.br

 

Resumo: A canção “Ai, que saudades da Amélia”, composta por Ataulfo Alves e Mário Lago, consagrou-se não só no contexto da música brasileira como também fora dela, na sociedade em que se insere. Essa “Amélia” se tornou símbolo antifeminista e sempre faz referência à mulher como submissa e “dona do lar”. Porém, este artigo tem por objetivo explorar outras interpretações que podem ter coexistido na forma de entender a canção. Baseando-se no conceito de “estrutura de sentimentos”, de Raymond Williams, mostrar-se-á, aqui, que inicialmente Amélia não foi esta que conhecemos hoje, e que pode ter sido alguém (uma personagem imaginária) surpreendentemente diferente da representação que nos ocorre a respeito dela.

               Palavras-chave: Ataulfo Alves; Canção; Estudos Culturais; Amélia; Música Popular Brasileira.


 

Abstract: “Ai, que saudades da Amélia”, written by Ataulfo Alves and Mário Lago is a famous chanson in Brazil. It became acknowledged not just in the context of Brazilian music, but also in the society, which it was inserted. “Amélia”, in Brazil, represents an anti-feminist symbol and always brings a woman’s reference as someone submissive and long-suffering. However, this article aims to consider some others interpretations for the chanson that could coexist to the principal meaning of “Amélia”. Based on the concept of “structure of feeling” formulated by Raymond Williams, it may be possible to perceive that the character “Amélia”, at first, was not like Brazilian people knows, and also that she may have been an imaginary character surprisingly different from the one that was constructed in the song.

               Keywords: Ataulfo Alves; Song; Cultural Studies; Amélia; Brazilian Popular Music.


 

Introdução

Discorrer sobre uma das canções mais célebres e polêmicas do século XX é tarefa delicada. Por um lado, ela traz uma carga de paixão e rejeição do público de música popular, e, por outro, ela já foi tão citada em trabalhos acadêmicos que coloca a obrigação de se falar algo realmente inovador.

Ao transpor esses primeiros obstáculos com um bom tempo de dedicação à audição de “Ai, que saudade da Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1942), somado a algumas análises elaboradas com uma teoria materialista cultural, e ainda mais um tempo debruçada em materiais do período histórico, chegou-se a uma nova maneira intrigante de se pensar “Amélia”, de modo que a proposta deste artigo é lançar na canção um olhar mais próximo e tentar entender por que se viveu (se vive?) com tanta saudade dela.

Vamos, para tanto, apresentar algumas visões diferentes sobre a canção. São visões que se destacam umas das outras. Uma primeira é a imagem hegemônica 2 de Amélia construída na sociedade ao longo do tempo – aquela imagem já bem conhecida, que nos traz uma ideia sexista sobre ela. A segunda é uma interpretação que foi construída a partir de uma consciência de classe, em que os autores estão alinhados com o pensamento social dominante elitista do Rio de Janeiro da década de 1940, apresentando um problema para as classes pobres. A terceira também se refere à visão dominante, assim como a segunda, porém traz uma estrutura de sentimento 3 quase oposta, em que a visão oficial acerca da canção está desalinhada com os ideais estadonovistas, apresentando uma solução diferente para o problema encontrado. Finalmente, a quarta leitura é ainda essa visão que parece ter sido entendida pelo Estado Novo, mas com outra estrutura de sentimento, a que parece ter sido compreendida pela “malandragem”, mas analisada, agora, de uma forma mais positiva para esse grupo. Ela inverte os papeis de Amélia com o da vaidosa companheira “atual” do eu lírico da canção, entendendo-a através de um diferente ponto de referência.


 

Amélia e sua vida imaginária

A personagem Amélia, a partir da composição de Ataulfo Alves e Mário Lago, adquiriu fama com uma interpretação que se popularizou pelo país – algo bem distinto da “Amélia real”, a empregada de Aracy de Almeida, que teria inspirado a canção e que permaneceu no anonimato até seus últimos dias.

Num ápice de popularidade, o entendimento mais difundido da canção se tornou até verbete de dicionário na língua portuguesa. Para Aurélio, que primeiro inseriu o termo, Amélia é “[Do antr. Amélia, do samba “Ai! que saudade da Amélia”, de autoria de Ataulfo Alves e Mário Lago.] S. f. Bras. Pop. 1. Mulher que aceita toda sorte de privações e/ou vexames sem reclamar, por amor a seu homem” (FERREIRA, 2010). E por ele, entendemos a personagem como uma mulher subordinada ao homem, numa relação em que se constituiriam relações de poder. Ela é “imortalizada” no imaginário popular também através dos dicionários; todavia, como a tomada de Amélia por verbete só aconteceu em 1975, imaginamos que essa definição deve ter sido feita por Aurélio Buarque de Holanda a partir do entendimento compartilhado pelo grande público e pela repercussão da canção, provavelmente já difundida dessa maneira na década de 1970. Claramente não foram os dicionários que inventaram essa imagem para a canção, pois eles apenas recolhem palavras que já estão popularizadas na língua.

Para acessar esta imagem popularizada de Amélia, basta ouvir a canção, sem muito esforço de compreensão, deixando fluir toda a imagem construída nessa visão em que a personagem aparece como alguém submissa. Essa foi a interpretação que se tornou a figura consagrada da “mulher de verdade” para os brasileiro, bem vista para uma época, sugerindo como uma mulher deveria se comportar, e rechaçada pelo “politicamente correto” dos dias de hoje.

Essa forma de entender a canção também costuma considerar Amélia uma mulher que se dedicava com fulgor aos serviços do lar. Creio que seja essa a alusão mais comum quando seu nome é pronunciado, assim como a expressão “dar uma de Amélia” quer dizer comumente se dedicar a tarefas domésticas. 4

Como todos já conhecemos bem essa representação de Amélia, fica desnecessário continuar a explorá-la; o importante é pontuar que esse entendimento é o mais difundido. Agora podemos pensar em outras possibilidades de visões analítico-sociais para a canção (não numa ordem cronológica, mas estrutural), todas pensadas através das consciências de grupos diferentes, em que se questiona a representação dessa mulher na música popular dentro de uma sociedade com o pensamento hegemonicamente masculino, às vezes em oposição frontal à versão da ideia mais conhecida de Amélia. Essa questão tenta ser entendida não através das discussões de gênero, apesar de por vezes ter de permear esse terreno, mas através dos estudos culturais marxistas propostos por Raymond Williams, com o auxílio fundamental da interpretação de publicações oficiais (sobretudo a Revista Cultura Política, produzida pelo DIP 5).

E se a mesma canção nos contasse a história de uma Amélia diferente dessa que foi representada em sua época e que foi consagrada no cenário musical? Pensando nessa questão, as interpretações para “Ai, que saudade de Amélia” aqui apresentadas não são excludentes e coexistem. Elas devem ser entendidas cada uma a partir de uma estrutura de sentimentos diferente da outra, em outras palavras, existe uma que faz parte do pensamento hegemônico (a que acabamos de tratar) e mais outras três possíveis, que são visões emergentes, 6 aqui reconstituídas – cada qual entendida de formas diferentes, conforme grupos distintos.


 

Amélia e a consciência de classe

Esqueçamos por um momento a questão sexista que Amélia frequentemente evoca em sua famosa imagem. Enfoquemos a representação de uma das classes sociais que tinha voz pelas composições de Ataulfo Alves.

Observamos, então, que o narrador fala a partir de uma posição financeiramente humilde, como percebemos pelo todo da letra, e especificamente quando diz que ele e sua companheira passavam fome em alguns momentos. O pobre rapaz fala a uma mulher que não se conformava com o que tinha – o que, à primeira vista, parece ser alguém extremamente leviana. Porém o narrador “elogia” a sua saudosa Amélia, dizendo que ela se resignava até quando não tinha o que comer. Isso transforma a personagem principal da canção em alguém completamente reacionária, conformista com a sua condição de vida. Contentarem-se com o quase nada que tinham, uma resignação absoluta, representa uma situação muito grave para eles enquanto classe social.

Agora relativizemos a postura da atual companheira do narrador, a que inicialmente se apresentava como fútil: se as exigências da mulher passam até pela necessidade ter o que comer, então elas não devem ser tão exorbitantes.

Essa mulher - tão exigente - podia ser somente alguém que não se conformava com a pobreza; e Amélia se apresenta ainda mais resignada com sua condição de vida do que o próprio narrador (“E quando me via contrariado, dizia:/ Meu filho, o que se há de fazer?”). A contrariedade que o narrador sentia podia ser um princípio de descontentamento com sua condição social, mas logo ele era conformado pela sua antiga companheira. Ele, por sua vez, aparentemente tentava fazer o mesmo com a companheira atual, a dona de tanta vaidade, sugerindo como ela devia se comportar diante das condições da vida.

Na estrofe em que ouvimos “Você só pensa em luxo e riqueza/ Tudo o que você vê você quer/ Ai, meu Deus, que saudade da Amélia/ Aquilo sim é que era mulher”, o clímax está no momento em que o narrador “estoura de saudade da Amélia”. 7 É nessa passagem que podemos perceber que o narrador não estava interessado em ascender socialmente, pois se conformava apenas com uma vida muito simples e gostaria que a sua mulher, em vez de ter desejos para além de suas necessidades básicas e dos limites de sua classe, também se conformasse com sua situação.

Sob esse ponto de vista, “Ai, que saudade da Amélia” é uma canção de visão política conservadora. De acordo com ideologias dominantes, o pobre está em seu lugar, resignado e sem ameaçar a elite. A canção coloca uma pessoa de uma classe financeiramente humilde a difundir a ideia de conformismo, condenando a atual companheira: uma voz descontente com sua condição. Ainda que se mobilizando através da vaidade e aparente leviandade, ela não se entrega totalmente à sua condição pobre.

Até agora encontramos Ataulfo como um artista em completo acordo com o Estado Novo, autor de canções getulistas e amigo pessoal do presidente (CABRAL, 2009), Amélia como símbolo da mulher de verdade e os pobres representadamente resignados. Mas não, pode não estar tudo em seu lugar...


 

Mais uma mulher de verdade

Se pensarmos que a ideologia trabalhista era oficial e hegemônica no Estado brasileiro em 1942, a interpretação que acabamos de construir sobre “Ai, que saudade da Amélia” pode ser anacrônica.

Desde 1939 o Estado Novo havia implementado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, o órgão que regulava os discursos nas produções culturais), que passou a reprimir a temática da malandragem, muito comum ainda na década de 30 (MATOS, 1982). Acontece que o DIP, falando através da revista Cultura Política, propagadora da ideologia cultural do Estado Novo, entendeu “Ai, que saudades da Amélia” não com a visão que conhecemos hoje, essa que se tornou senso comum, e tampouco como a análise que acabamos de fazer. Mas também diz que ela é conformista:


 

As melodias populares põem na boca de toda gente, inclusive das crianças, as pequenas tragedias domésticas, que parecem fugidas dos desenhos de GeoMC Mnus [?]. A preocupação da malandragem e o sonho do amor sem despesas conciliam-se no conformismo das Amelias. (CASTELO, 1942, p. 174) 8


 

E aqui temos um choque com a visão que foi construída anteriormente. Para o DIP, Amélia é um “samba negativo” 9 e preocupa o governo porque foi provavelmente entendida conforme veremos a seguir. A contradição está no ponto em que, por ser um “samba negativo”, ela não está em acordo com a visão hegemônica “fornecida” pelo Estado. Então, apesar de também entender a canção como conformista (segundo as palavras oficializadas do DIP), a solução do problema para esse conformismo é outra, o trabalho.

É o Estado quem protesta contra o “conformismo” de Amélia. Para o DIP, na mesma Cultura Política, 10 a mulher devia estar reclusa a serviços domésticos e era triste (para eles) que ela precisasse trabalhar fora. A “função” da mulher consistia apenas em incentivar o marido no trabalho, acordando-o cedo depois do preparo do café, acolhendo-o após o “batente” e sobretudo exigindo que ele trabalhasse. 11

Ataulfo Alves, pelo conjunto de suas posturas, de suas atitudes e por muitas de suas composições, apesar de aparentar ser o “antimalandro” e ter ótimas relações com os governantes, também tem, não sei se contraditoriamente, um histórico de compor canções com letras de interpretação dúbias, que são entendidas de acordo com estruturas de sentimentos distintas presentes nas classes e grupos sociais.

Estruturas de sentimento, que já foram bastante mencionadas neste texto, se referem a um conceito complexo proposto por Raymond Williams, mas que se faz necessário agora simplificar o seu entendimento neste parágrafo. O conceito, em verdade, nem chegou a ser definido certeiramente pelo próprio Williams, 12 mas para um trabalho escrito, podemos dizer que a proposta das estruturas de sentimentos consistiriam em deixar de lado as nossas visões para entender outras diferentes visões sociais a partir das histórias vividas, limitadas 13 por sua classe e por cada experiência que o indivíduo ou os grupos tiveram. Alguns grupos compartilham de mesmas estruturas de sentimento e outros não.

A escravidão no Brasil, por exemplo, nas proporções em que ela aconteceu, gerou grupos nas classes pobres distintos da classe dos trabalhadores. 14 O próprio DIP admite:


 

O capadocio, o capoeira e o malandro, três gerações de desajustados, são o enquistamento urbano do êxodo das senzalas no período imediatamente posterior à emancipação dos escravos. Torna-se por isso mesmo lógico, nesses grupos humanos, o repúdio ao trabalho erigido em norma moral. Desprezando as realizações materiais, fugindo à labuta de sol a sol, mostram-se ainda em oposição ao eito. E, por inercia social, os versos dos netos livres continuaram distilando a amargura das existências sem liberdade. (CASTELO, 1942, p. 174)


 

Como parece claro, esses “herdeiros da escravidão” não queriam exatamente ter seus trabalhos valorizados e direitos trabalhistas respeitados, como o proletariado marxista. De outro modo, era bem digna a recusa desse grupo ao trabalho. Trabalhar seria quase como uma afronta, e com isso eles estariam completamente destacados da sociedade carioca trabalhista da década de 1940, até como marginais.

Voltando aos sambas que compunham o universo desses malandros, podemos dizer que a inteligência dessa persona, permitia que ela transitasse entre “mundos” diferentes, que transpassasse barreiras de classes sociais, configurando a dialética da malandragem, de Antonio Candido, 15 convivendo também com pessoas diferentes do seu “comum” e de sua classe. Vemos, assim, que no discurso que ele passa através de canções, pode falar a mais de um grupo ao mesmo tempo, trazendo diferentes estruturas de sentimento.

A sutileza do samba de malandro permitia passar uma mensagem apenas pra um determinado grupo de uma forma, e, para outro, de outra forma, por muitas vezes sem que um dos grupos (ou os dois) percebesse o dualismo da interpretação, tal qual códigos. 16 Foi o que ocorreu também com algumas canções de Ataulfo. Como exemplo, usaremos aqui “Oh, seu Oscar!”, de Ataulfo e Wilson Batista (1939) que já teve uma análise feita nesse sentido num artigo do historiador social Adalberto Paranhos, 17 em que ele percebe que a canção, que estaria no plano da ordem oficial, nas ruas ganha uma ressignificação conforme as estruturas de sentimento (apesar de não usar esse conceito) dos foliões.

É nítido que a ideia aparente da letra desta canção (“Oh, seu Oscar!”) se situa no plano da ordem (burguesa18), exaltando um trabalhador que fazia tudo pela mulher, e que, como frequentemente nos sambas, ingrata, não dava valor e acabou por fugir para o “mundo da desordem”, 19 a orgia, em oposição ao plano em que se encontra o trabalho e o seu marido. Pela análise apenas da letra, constatamos que a canção tem a narração a partir de uma classe pobre, feita por um trabalhador honesto, que também compartilha da visão da elite de ordem e desordem.

Essa composição venceu o Concurso de Músicas Carnavalescas, que acontecia todos os anos em clubes de futebol no Rio de Janeiro, cujo samba vencedor ganhava muita visibilidade, além de um bom prêmio em dinheiro. Naquele ano, o concurso era patrocinado pelo DIP (CABRAL, 2009, p. 48), fazendo com que, em princípio, a canção estivesse completamente em acordo com as recomendações do Estado Novo. Porém, ao analisá-la como um todo para além da letra, integrando melodia, interpretação e arranjos, podemos ter outra opinião sobre ela.

Para Adalberto Paranhos, a canção “Oh! Seu Oscar”, projetada para a sua repercussão nas ruas durante o carnaval, ganha um entendimento diferente daquele dado pelo DIP. Paranhos duvida que as multidões que cantavam “Não posso mais, eu quero é viver na orgia” estivessem se identificando menos com a mulher de seu Oscar do que com ele próprio.

Aos ouvidos das classes dominantes, que apreciavam a canção em suas vitrolas, impregnadas com valores conservadores, o Seu Oscar era um desafortunado, certamente não era merecido pela mulher que o deixou, mesmo tendo ele feito de tudo para que ela vivesse em bem estar. Tanto enxergavam a canção sob essa óptica, que a canção, além de ser vencedora do Concurso de Músicas Carnavalescas de 1941 com louvor pelo DIP, ainda foi descrita como “positiva” por Martins Castelo, na Revista Cultura Política – uma letra de samba que deveria servir como modelo para outros sambistas: “(...) A figura de seu Oscar só apareceu mais tarde, com as leis que reconhecem e amparam os direitos do operariado” (CASTELO, 1942, p.175).

O personagem Seu Oscar era pra ser um exemplo a ser seguido pela classe trabalhadora. Mas a composição se abre para a interpretação dúbia, conforme a visão da classe que a escutava, reproduzindo, ressignificando. Não só conforme a classe, mas igualmente conforme as circunstâncias (nas ruas, no carnaval).

Existem ainda outras canções de Ataulfo que podem se abrir para interpretações diferentes conforme estruturas de sentimentos em classes distintas, como “O Bonde de São Januário” (também em parceria com Wilson Batista, 1940). Nessa canção, haveria a “versão oficial” e a “versão das ruas”, em que os versos “O bonde de São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar” seriam substituídos na boca de populares por “O Bonde de São Januário/ Leva mais um sócio otário/ Só eu não vou trabalhar”. 20

Notamos, assim, que essas canções (“Oh! Seu Oscar”; “O Bonde de São Januário” e mesmo “Ai, que saudades da Amélia”, como veremos) trazem a questão do trabalho como algo não muito bem realizado como dever ou entendido por todos como obrigação.

Nesse período de ideologia trabalhista, o aconselhamento do DIP era para que as canções a contemplassem. Porém, o trabalho foi um valor incutido para as classes baixas na sociedade brasileira pós-escravidão como o único meio de o homem livre saldar sua dívida com o Estado, que lhes daria segurança e garantiria sua liberdade (vide Revista Cultura Política, já citada, que publicava diversos artigos com apologia ao trabalho em todos os números).

No entanto, como já foi dito, na primeira metade do século XX, a população ainda se encontrava temporalmente muito próxima à escravidão. Muitos negros ainda tinham os pais e avós que tinham trabalhado como escravos. Era provavelmente uma sombra muito forte que existia sobre os redutos do samba, predominantemente compostos por negros. Portanto, para os casos dessas pessoas e de seus convíveres o trabalho braçal devia ser uma das piores atividades que podiam exercer, por que não dizer, até indignas, ao contrário do que era pregado pelos órgãos oficiais.

Se o olhar de certos grupos das classes mais pobres fosse contemplado, o trabalho seguramente não estaria na posição colocada pela visão dominante da sociedade, uma vez que a relação com o próprio corpo (vendido ao patrão como força de trabalho) era diferente da pretendida pelas elites – elas enxergariam o corpo pobre com a obrigação da subserviência em trabalho, já que numa visão confortável, tudo se encaixa: o pobre precisa de dinheiro, portanto necessita de trabalho, e assim o trabalho é bom para o pobre. Por conseguinte, o pobre que se recusa ao trabalho é “vagabundo”. Não se leva em conta qualquer tipo de liberdade, pois, para que o sistema funcione bem, deve se ter poucos patrões e muitos subordinados. Os pobres eram peças que não participavam das decisões nesse sistema, tendo apenas obrigações, com o direito ao lazer apenas na folga semanal (quando ela existia).

Ainda em 1888, ano da abolição, foi sancionada uma lei que pretendia combater a vadiagem. 21 A lei, que se chamava “Projeto de Repressão à Vadiagem”, dizia que o indivíduo pobre que se recusasse ao trabalho (como o malandro) seria considerado alguém perigoso, que tendia ao crime, e, por causa dessa suposição, podia ser preso. Ela foi uma atitude política tomada ainda no século XIX, que implicava em que as forças de trabalho se mobilizassem em prol do funcionamento do sistema; e que ao mesmo tempo diminuísse em volume a chamada “classe perigosa”. 22

Com o Estado Novo, por volta de meio século depois da sanção do projeto de repressão à vadiagem, a malandragem ainda preocupava as elites. A Constituição de 1937 colocou a ociosidade como crime e, no artigo 136, o trabalho como dever social. Contudo, percebendo que o combate ao malandro podia ser também no campo ideal, e não apenas no confronto físico, outra atitude tomada pela classe dirigente foi através do órgão de propaganda e censura do governo (o DIP), recomendando que as canções fossem produzidas em oposição à malandragem, incentivando o trabalho. 23

Se aceitarmos, então, a versão original de “O Bonde de São Januário” como realmente existente, mesmo que tenha sido uma versão transformada posteriormente nas ruas, podemos acreditar que as classes populares tinham consciência do significado do trabalho para as dominantes e da diferença de visão para a classe subordinada, pois o trabalhador era um “otário”, 24 ao passo que o malandro (“só eu não vou trabalhar”) estava ciente de que com o trabalho ele era explorado pelo patrão, sem oportunidades relevantes de progredir socialmente.

Ainda havia a consciência dos autores de que essa versão não podia ser apresentada oficialmente para o DIP e para as gravadoras. As formas interpretativas que se davam às canções também eram formas de consciência de classe, incentivando-se assim o não trabalho e a malandragem. 25

De alguma forma essas composições diziam às elites que “tudo estava bem”, que o povo quer mesmo trabalhar, e que aceitavam suas determinações sociais. E quando não diziam, se a canção sobressaísse, parece que haveria uma ressignificação a ser feita.

Com isso, e sabendo que a malandragem no samba se utiliza de ações e recursos como a ironia, a linguagem de fresta e outros tipos de significados contidos que se dirigem a determinados grupos de convívio, abre-se uma nova possibilidade interpretativa para “Ai, que saudades da Amélia”. Uma possibilidade que definitivamente passa longe da representação mais popularizada da personagem, mas que além de poder ter existido na intenção inicial da canção (já que traz uma estrutura de sentimentos que vimos ser existente) também pode ter sido entendida pelo DIP de forma diversa à que ficou consagrada. Por isso a classificação como “samba negativo”. Ainda nos permite mostrar que as cabeças hegemônicas que construíram a visão consagrada como verbete de Amélia é que leva a tarja de machista e conservadora. Até segunda ordem, foi a sociedade quem transformou Amélia num símbolo sexista. Ainda que a posterior ressignificação de Amélia, de acordo com a sua fama, tenha sido satisfatória para o Estado Novo, que através do Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio passava a imagem da mulher como o braço direito do chefe de família, a “senhora do lar”, sempre relacionada com maternidade, prole, doçura, etc. (PARANHOS, 2004, p. 20-21).

Poderia ter sido interessante para o DIP forjar uma ressignificação de Amélia daquela forma do imaginário popular? Essa questão não será respondida neste artigo, porém é pertinente refletir a esse respeito.

Dito isso, a chave de entendimento para analisarmos novamente “Ai, que saudades da Amélia”, é pensar na personagem como uma mulher que também pratica a malandragem, como o seu parceiro. Não é raro encontrar uma “mulher malandra” em letras de samba, apesar de isso ter sido pouco explorado em estudos.

Vejamos. O meio para uma colocação social do pobre, ou seja, para a não marginalização dele, segundo a ideologia do Estado Novo (em consonância com o sistema que se pretendia capitalista, com todas as ressalvas) era através do trabalho. Porém, mais do que ninguém, o malandro tinha a consciência de que o trabalho como lhes era apresentado e possível, acabava por ser apenas um meio de exploração da vida e da energia do trabalhador pelo patrão. Aquele recebia como salário somente o mínimo para a manutenção de sua sobrevivência, ou nem isso; portanto, na malandragem, a sua qualidade de vida aumentava (pois não trabalhava em excesso) e seu ganho para a subsistência não era tão diferente do salário miserável que os trabalhadores pobres e negros recebiam. 26

Proponho agora o novo entendimento de Amélia, na medida em que a reconsideramos, agora com outro olhar. Recomendo uma leitura da letra da canção, neste momento, e mais uma no término desta análise.


 

Ai, que saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1942)


 

1ª estrofe: “Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Não vê que eu sou um pobre rapaz


 

2ª estrofe: Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer

Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher


 

3ª estrofe: Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado, dizia:
Meu filho, o que se há de fazer?


 

Refrão: Amélia não tinha a menor vaidade,
Amélia que era mulher de verdade”


 

Comecemos a pensar sobre a primeira estrofe. O narrador não especifica quais são as exigências que a atual companheira faz, mas entendemos por toda a letra da canção que elas incluem a aquisição de bens materiais. Para isso era necessário ter dinheiro, e para ter dinheiro, um trabalho. Então, a atual companheira exigia que o suposto malandro trabalhasse.

Essa mulher (e não Amélia), dessa forma, se coloca no mundo da ordem “burguesa”. 27 É uma mulher que, no mundo da ordem, cuida (ela sim) da casa, conforme recomendações do Estado Novo, 28 e o homem é quem devia trabalhar. Tanto que o terceiro e o quarto versos se assemelham com o discurso de malandro: se ela exige que o companheiro trabalhe, ela “não sabe o que é consciência”; e também “não vê que ele é um pobre rapaz” – e não um rapaz pobre – a posição do adjetivo antes do substantivo não parece ter sido escolhida somente para a rima, mas é sugestiva da “lábia” do malandro.

Querer tudo o que vê representa uma pressão da mulher para que o companheiro trabalhe. O narrador se queixa dessa mulher por ela exigir dele esses bens materiais, reiterando que o homem tinha a obrigação de sustentar e agradar sua mulher com aquisições de novos bens.

O clímax da canção se encontra no terceiro e no quarto versos dessa segunda estrofe, o momento do “estouro” de saudade por Amélia, a saudade como o desejo de que a ex-companheira volte, a manifestação enfática da insatisfação com a atual companheira. Podemos, assim, inferir que Amélia não agia como a companheira atual, algo como não pensar só em “luxo e riqueza”, ter “consciência”, ou não fazer tanta exigência – mas tudo isso não significa que Amélia fosse submissa.

Nas outras análises aqui apresentadas, a terceira estrofe - a mais emblemática da canção - foi considerada também a mais grave (tanto a partir de uma visão de esquerda, como pela visão do DIP), tendo sido entendida como a resignação completa de Amélia. Mas com esta última análise, ela pode ser compreendida como recurso de linguagem na fala do malandro. Aliás, é como Ataulfo se explica numa canção de julho de 1942, chamada “Represália”, em que ele faz em resposta a alguns de seus amigos que o importunavam, dizendo a ele que Amélia teria morrido de fome. Na composição Ataulfo relata que “Onde eu dizia/ Que a coitada não comia/ Era pura fantasia/ Era força de expressão”, dando alguma credibilidade para esta interpretação.

Desse modo, como força de expressão é bem plausível que o verso “achava bonito não ter o que comer” signifique que o casal preferia passar por toda sorte de privação financeira a trabalhar duro, como assalariados. Achar bonito o “não ter o que comer” pode revelar que a beleza que viam estava no modo de vida que tinham. Achar isso bonito não quer dizer gostar de não ter o que comer, mas ter orgulho de não compactuar com o sistema e com a ideologia trabalhista, e de ainda assim viver na cidade de Getúlio.

E o verso que representa a maior resignação para o DIP, “Meu filho, o que se há de fazer?”, aqui pode indicar não conformismo, mas, ao contrário, consciência social. Contudo, ao estar ainda em vigor a “lei de repressão à vadiagem”, somando-se o dever do trabalho como constitucional, também significa uma contravenção. Se não há o que ser feito, é porque a busca por um trabalho está mesmo fora de cogitação, tendo o casal a escolha de viver como bem entendia, e não conforme obrigação frente ao Estado Novo.

Por fim, “a mulher de verdade” cantada no refrão, nessa interpretação está longe de corresponder às expectativas de cunho sexista de um imaginário difundido a respeito da personagem.

Em momento algum, entre as palavras da canção, aparece qualquer referência a Amélia como vítima de machismo. Em verso algum essa Amélia faz qualquer serviço doméstico, sofre alguma agressão ou é indicada como submissa. E este também parece ter sido o primeiro entendimento do DIP com sua Revista Cultura Política.

Dessa forma, a interpretação popular da canção é que aparece como sexista, pois traz a imagem, inexistente na letra, de que o papel da mulher é cuidar da casa e de seu companheiro. Porém, como se explica que Amélia tenha levado a fama de submissa, se era a sua sucessora que cumpria o papel esperado pelo DIP? Era Amélia quem dava a palavra: “meu filho, o que se há de fazer?” A frase pode parecer uma exclamação resignada, mas ela indica que o trabalho (para ambos) não estava nos planos, colocando em xeque essa resignação. Os dois são colocados, assim, em pé de igualdade. Vemos que estão no mundo da “desordem burguesa”, subvertendo o mundo da ordem ao se negarem ao trabalho, compactuando com uma ordem própria para outra estrutura de sentimento dentro do universo da malandragem.

Não tenho respaldo para afirmar nada que faça alguma relação concreta entre a rejeição inicial de “Ai, que saudades da Amélia” pelo DIP e a fama que ela adquiriu, fazendo depois com que ela se tornasse o símbolo da “mulher de verdade”, mas tenho um dever de notar como deve ter sido conveniente para o governo a canção ter tomado essa significação. É estranho que o público tenha consagrado Amélia de forma bem distinta daquela como o Estado Novo entendeu.

Ataulfo abraça essa imagem, mesmo não a confirmando, porque isso é o que o imortaliza e é o que lhe garante a própria vida, numa malandragem bem sucedida – afinal, o negro ganhando dinheiro às custas do branco pode ser considerado malandragem, sobretudo para a sua época, devido à hierarquia racial que sempre existiu no Brasil. Como o malandro que dá esse duplo sentido na canção, ele não desmente em “Represália”, e “trabalha na flauta” ganhando dinheiro com jogo de cintura sobre as interpretações da canção – diferentemente até de Mário Lago, que passou sua vida tentando explicar, sem sucesso, que não há machismo em “Ai, que saudades de Amélia”. 29

O compositor cumpre a recomendação das classes dirigentes para se posicionar melhor junto ao governo. Age com os olhos voltados para o público consumidor, que seria em muito a elite, a quem a malandragem não agradava. As classes dirigentes se sentiam confortáveis com a imagem do pobre como trabalhador, honesto e “manso”, ou seja, não malandro, como alguém que se conforma com a pobreza e quer trabalhar para conseguir um mínimo para a sobrevivência – isso é bem nítido nas canções de Ataulfo desse período. Mas ele se faz malandro por dançar conforme a música estadonovista. 30

A visão de Amélia como a mulher também na malandragem é emergente, aparece com a canção em 1942 – seus autores e o DIP teriam enxergado e entendido dessa forma. Mas como eles agem a partir do entendimento por essa visão que é a estrutura de sentimento (a experiência histórica é coletiva, porém a estrutura de sentimento é o efeito da experiência no indivíduo ou grupos). Dessa forma, a saudade de Amélia significa predominantemente (até mesmo hoje, a cada vez que é regravada ou mencionada) certa nostalgia em relação àquele antigo “papel da mulher” na sociedade, embora para poucos, a estrutura de sentimento que traz essa saudade pode estar relacionada ao direito à preguiça 31 ou, no mínimo, à vontade de não trabalhar.


 

Referências Musicais

ALVES, Ataulfo; LAGO, Mário. Ai, que saudades da Amélia. Rio de Janeiro: Odeon, 1942. Disco 48 RPM.

ALVES, Ataulfo; BATISTA, Wilson. Oh, seu Oscar!. Rio de Janeiro: Victor, 1939. Disco 48 RPM.

_____________; ______________. O Bonde de São Januário. Rio de Janeiro: Victor, 1941. Disco 48 RPM.

ALVES, Ataulfo. Represália. Rio de Janeiro: Odeon, 1942. Disco 48 RPM.


 

Referências Bibliográficas

CABRAL, Sérgio. Ataulfo Alves: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Lazuli, 2009.

CALLAGE, Fernando. O trabalho da mulher em face da legislação social brasileira. In: Revista Cultura Política, nº 19, p. 30-39. Rio de Janeiro, 1942.

CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. In: O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.

CASTELO, Martins. O Samba e o conceito de trabalho. In: Revista Cultura Política, nº 22, p. 174-176. Rio de Janeiro, 1942.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim. Campinas, Editora Unicamp, 2001.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa – Edição Histórica 100 anos. Curitiba: Positivo Livros, 2010.

LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. Tradução: Otto Lamy de Correa. São Paulo: Claridade, 2003.

MATOS, Claudia. Acertei no Milhar: Malandragem e Samba no tempo de Getúlio. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

MENEZES, Adélia Bezerra. Figuras do feminino na canção de Chico Buarque. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

MOURA, Roberto. A Casa da Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1995.

PAQUOT, Thierry. O Dever da Preguiça. In Le Monde Diplomatique: Globalização e Mundo do Trabalho. Diplô Brasil – Cadernos de Debates do Le Monde Diplomatique – nº 1, 2000.

PARANHOS, Adalberto. Os desafinados do samba – na cadência do Estado Novo. In Nossa História. Biblioteca Nacional. Ano 1, nº4, Fevereiro, 2004.

_____. Além das amélias: música popular e relações de gênero sob um regime ditatorial. VII Congreso Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular, Rama Latinoamericana. Mesa. Vol. 25.

PAULINO, Roseli Aparecida Fígaro. Um Artista de Verdade (Entrevista com Mário Lago). In Revista Comunicação e Educação, nº 22. São Paulo: CCA, ECA USP, 2001.

SUKMAN, Hugo. Ataulfo Alves. In Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira. São Paulo: MEDIAfashion, 2010.

TONI, Flavia Camargo (org.). Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade. São Paulo: SESC, 2004.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo y Literatura. Traducción: Guillermo David. Buenos Aires: Editorial Las Cuarenta, 2009.

_____. Politics and Letters, interviews with New Left Review. London: Verso, 1981.

_____. Cultura e Materialismo. Tradução: André Glaser. São Paulo: Unesp, 2011.


 

1
 

Mestranda no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo, orientanda do professor Dr. Walter Garcia da Silveira Junior. Estuda a obra de Ataulfo Alves num olhar sociológico a fim de observar a recorrência da temática da saudade em suas composições.

2
 

Hegemônico, segundo Williams, de uma forma simplificada, é o pensamento que predomina na sociedade, geralmente o das classes dominantes. WILLIAMS, Raymond. Marxismo y literatura. Traducción: Guillermo David. Buenos Aires: Editorial Las Cuarenta, 2009.

3
 

Este conceito de Raymond Williams será apresentado mais à frente, neste artigo.


 

4
 

Basta uma busca no Google: “o que é Amélia” para aparecerem centenas de opiniões públicas sobre a personagem, todas se referindo a trabalhos domésticos.

5
 

Revista Cultura Política, Rio de Janeiro. Consultas por amostragem de edições publicadas entre 1942 e 1945.


 

6
 

Ainda conforme Williams (Op. Cit.)

7
 

A expressão é uma referência a uma carta de Mário de Andrade a Moacir Werneck de Castro, onde Mário fala de Ai, que saudade da Amélia desta forma: “Ora o sujeito estourar naquela bruta saudade da Amélia, só porque está sentindo dificuldade com a nova, você já viu coisa mais humana e misturadamente humana? Tem despeito, tem esperteza, tem desabafo, tristeza, ironia, safadeza de malandro, tem ingenuidade, tem pureza lamacenta: é genial.” (TONI, 2004, p. 300).

8
 

CASTELO, Martins. “O Samba e o conceito de trabalho”. In: Revista Cultura Política, nº 22, p. 174 – 176, 1942. O autor revela a rejeição por “Ai, que saudades de Amélia” no todo do texto, que não é possível ser citado aqui na íntegra. Também na Revista Nossa História, nº4, 2004, Paranhos coloca em destaque Amélia como um “samba negativo” para o DIP.

9
 

Paranhos (2004, p. 21) afirma, embora nesse artigo não cite fonte, que o DIP estabeleceria distinção entre o que consideraria “samba positivo” e “samba negativo”, conforme a ideologia que seria propagada a partir dele.

10
 

Op. Cit.

11
 

Podemos ler alguns artigos contra o trabalho feminino fora de casa na Revista Cultura Política, como em CALLAGE, Fernando. O trabalho da mulher em face da legislação social brasileira. In: Revista Cultura Política, nº 19, p. 30-39, 1942.

12
 

Em Marxismo y Literatura (Op.Cit.) encontramos um tópico sobre o conceito.

13
 

Lembrando que, para Williams, esses limites não são fixos, podendo os grupos, através de ideias, exercer pressões sobre eles e movimentá-los.

14
 

Esta afirmação é baseada no livro de MOURA, Roberto. A Casa da Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, 1995, e na dimensão que atingiu a ideia da malandragem.

15
 

CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. In: O discurso e a cidade, São Paulo: Duas Cidades, 1993.


 

16
 

Isso tornou-se bem conhecido posteriormente com as chamadas “música de fresta”, através das canções políticas de Chico Buarque, que muitas vezes aparentemente falavam de amor, enquanto passavam mensagens contra a ditadura militar. Vide MENEZES, 2001.

17
 

PARANHOS, Adalberto. Além das amélias: música popular e relações de gênero sob um regime ditatorial. VII Congreso Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular, Rama Latinoamericana. Mesa. Vol. 25.

18
 

Estou ciente de que o termo “burguesia” para a sociedade brasileira tem suas ressalvas, porém neste caso me refiro às classificações de Chalhoub, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

19
 

Idem, Ibidem.


 

20
 

E essa versão seria anterior à oficial. SUKMAN, Hugo. Ataulfo Alves. In Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira, 2010.


 

21
 

Dados contidos e muito bem detalhados em Chalhoub, Op. Cit.

22
 

Idem, Ibidem.

23
 

Informações contidas em Matos, Op. Cit.

24
 

A figura do “otário” é muito bem descrita em Acertei no Milhar, Idem, Ibidem.

25
 

É preciso lembrar que existia uma “estrutura de sentimentos malandra”, mas não era única, e nem era dominante. Talvez pareça, pela insistência neste artigo, que eu esteja subestimando a classe trabalhadora, mas isso está longe de ser verdade. Todavia, estamos falando aqui de negros sambistas, raramente trabalhadores convencionais, mesmo que esses sejam minoria na sociedade.


 

26
 

Essa abordagem não seria uma novidade surgida no pós-escravidão do Brasil. “Paul Lafargue denuncia a religião do capital e também todos os sistemas que têm o trabalho como único valor social e individual” (PAQUOT, 2000, p. 38). Coloca ainda o assalariado como a pior das escravidões, diferenciando lazer de tempo livre, e este como tempo de liberdade.

27
 

De acordo com Chalhoub, Op.Cit.

28
 

De acordo com textos da Revista Cultura Política, citando aqui o de Callage (1942, p. 30-39).


 

29
 

Mário Lago defendeu Amélia em todas entrevistas que a mencionava, mas usamos neste trabalho a entrevista de Roselí Fígaro, 2001.

30
 

Ataulfo, neste ponto, se assemelharia muito ao próprio Getúlio Vargas, que segundo Paranhos, Op.Cit, 2004, diz ter tido uma fama informal de malandro, a qual nunca se pronunciou a favor, mas que ao mesmo tempo demonstrava simpatia a ela.

31
 

PAQUOT, Thierry. O Dever da Preguiça. In Le Monde Diplomatique: Globalização e Mundo do Trabalho. Diplô Brasil – Cadernos de Debates do Le Monde Diplomatique – nº 1, 2000.