Notícias / News

Punk Scholars Network 2nd Annual Conference and Postgraduate Symposium
CALL FOR PAPERS: Punk NOW!! | 27/3/2015

Punk Scholars Network 2nd Annual Conference and Postgraduate Symposium In Association ...

DIVULGANDO - CONFERÊNCIA SOBRE MÚSICA E ESTUDOS CULTURAIS
ISTANBUL, TURQUIA, 7-9 MAIO 2015 | 14/8/2014

VISITE A PÁGINA DO EVENTO: http://www.musicultconference.org/p/themes.html

DIVULGANDO - Congresso sobre Heavy Metal
Helsinki, Finland, 8-12 June 2015 | 11/7/2014

http://www.modernheavymetal.net/ CALL FOR PAPERS OUT! MODERN ...

Cronograma RBEC n. 5 e 6
Novos prazos | 7/7/2014

Caros autores, Informo-lhes que, devido a atrasos no processo de distribuição e ...

Chamada para artigos nºs 5 e 6 - novo prazo: 05 mar 2014
Call for papers - issues 5 and 6 - new deadline: March 5th, 2014 | 20/1/2014

  Prezados colegas, Está aberta a chamada de artigos que comporão o quinto ...

More Blog Entries

O Imaginário na Canção Popular: um estudo semiótico dos elementos simbólicos presentes nos gêneros musicais midiáticos

 

Sílvio Anaz1

sanaz@uol.com.br

 

 

Resumo: Este artigo propõe um modelo de estudo semiótico do imaginário na canção popular. Para fazer isso, são aplicados os conceitos sobre o imaginário, desenvolvidos por Gilbert Durand e Michel Maffesoli, e uma abordagem semiótica baseada na análise textual de Roland Barthes no estudo de duas canções. O resultado é a estruturação de um processo de identificação, nas letras e músicas das canções, dos principais elementos simbólicos presentes na construção dos seus sentidos. Esse processo pode possibilitar, a partir da análise de um repertório mais amplo, estabelecer qual é o imaginário de um determinado gênero musical ou de uma época.

Palavras-chave: Imaginário; canção popular; semiótica.

 

Abstract: This essay sketches out a method to investigate the imaginary in the popular song. We use the concepts about the imaginary developed by Gilbert Durand and Michel Maffesoli, and emiotics, especially Roland Barthes’ textual analysis method. Our purpose is to identify in lyrics and musics of two popular songs, representative of successful contemporary genres, the main symbolical elements present in their meanings. Based on an expansive repertory of popular songs, that process can identify what is the imaginary in a specific musical genre or in a specific epoch.

Keywords: Imaginary; popular songs; semiotics.

 

 

 

Introdução

Este artigo esboça um modelo para identificar os imaginários criados e reproduzidos pela canção popular. O interesse pela compreensão do imaginário na canção reside na importância que essa manifestação artística adquire ao se tornar, a partir da segunda metade do século 20, um dos principais vetores da identificação cultural global entre os jovens. Gêneros da canção popular internacional, do rock'n'roll ao rap, romperam barreiras geográficas, de idiomas e de etnia para aglutinar a juventude de várias partes do planeta em “tribos” interessadas no mesmo tipo de música e atitudes ligadas a um determinado gênero ou movimento musical. Em nossa percepção, esse processo de identificação passa, entre outros fatores, pelo compartilhamento de imaginários que essas canções têm criado e reproduzido.

Para avançar na compreensão desse fenômeno, buscamos neste artigo estabelecer uma proposta de identificação e análise dos elementos simbólicos (e de suas significações) que compõem os imaginários da canção popular, de uma forma sistemática e fundamentada nas teorias sobre o imaginário e na semiótica. A construção desse modelo investigativo começa justamente pela reflexão sobre o que estamos chamando de imaginário.

 

O imaginário e sua manifestação na canção popular contemporânea

 

Assim como outras linguagens artísticas, a canção popular é um campo fértil para explorar as manifestações do imaginário. As letras e as sonoridades das canções compartilham entre seus criadores e apreciadores as atitudes imaginativas de ambos em relação a temas diversos, como amor, amizade, ciúme, juventude, política, medo e solidão, entre tantos outros que emergem do imaginário individual e coletivo. E entender esse processo de compartilhamento de imaginários contribui, a nosso ver, para compreender melhor o processo da comunicação das manifestações artísticas pela mídia2.

O processo de formação e reprodução do imaginário foi descrito por Gilbert Durand, um dos vários pensadores que desenvolveram conceitos sobre o tema, a partir de um trajeto antropológico. Para ele, frente à angustiante consciência da morte e do tempo, o homem adota atitudes imaginativas que buscam negar e superar o destino inevitável ou transformar e inverter seus significados para algo reconfortante. Essas atitudes imaginativas, que resultam na percepção e produção de símbolos, imagens, mitos e arquétipos pelo ser humano, formam o que o pensador francês denomina de imaginário. Para estabelecer o trajeto antropológico do imaginário, Durand fez um extensivo estudo da produção cultural humana, especialmente das imagens que emergem das narrativas mitológicas, das religiões e das grandes obras literárias e artísticas. Para ele, a principal função do imaginário é a de levar o homem a um equilíbrio biopsicosocial diante da percepção da temporalidade e, consequentemente, da finitude.

A canção popular é um das formas de expressão da subjetividade humana em que se realiza essa função de equilíbrio biopsicossocial. Nela encontramos uma fonte repleta de elementos simbólicos que atendem a essa função do imaginário. Para Durand, a produção desses elementos simbólicos e seus significados, na cultura em geral, está associada diretamente a gestos e reflexos biológicos básicos do ser humano, identificados em estudos anatomofisiológicos e etológicos pela Escola de Reflexologia de Leningrado, na primeira metade do século 20.

Esse é um dos aspectos mais interessantes do conceito desenvolvido por Durand: a relação entre o imaginário, isto é, a produção simbólica (cultural), e as características biológicas do homem. Para a Escola de Reflexologia de Leningrado o ser humano apresenta três reflexos dominantes básicos: postural, copulativo e digestivo. Durand identifica que esses reflexos convergem para estruturas presentes nas atitudes imaginativas do ser humano e que suas forças atuam nos vários níveis de formação dos símbolos. Ele estabeleceu uma classificação para essa relação entre os gestos básicos do corpo e as atitudes imaginativas.

O gesto ou reflexo postural, associado ao posicionamento ereto do ser humano, remete aos movimentos de ascensão e de verticalização, que resultam em símbolos de potência e de heroísmo, de subida em direção à luz (e ao Sol), de elevação e de pureza e de confronto e separação. Esse reflexo inspira a produção de símbolos ascensoriais (cetro, flecha, asa, anjo), espetaculares (luz, Sol, ouro, fogo, céu) e diairéticos (herói, espada). Durand classificou esse conjunto de elementos como Regime Diurno das imagens, composto por estruturas heroicas (ou esquizomorfas), que buscam com uma atitude conflitual e antitética vencer a morte e o devir. Esse Regime Diurno caracteriza-se por ações de separar e pelas atitudes bélicas de heróis violentos.

Já no Regime Noturno, há a inversão e a eufemização das imagens ligadas aos temores da morte e da percepção do tempo. Durand nomeou essas estruturas de místicas ou antifrásicas, que se ligam ao reflexo dominante digestivo. No processo de eufemização, que caracteriza esse Regime, os símbolos da queda e do abismo transmutam-se em cavidade e descida, o túmulo vira berço e nova morada na vida além da morte. A transformação da queda em uma suave descida em direção a uma intimidade acolhedora e minituarizações, como a que reduz o abismo à cavidade da taça, são exemplares desse processo de eufemização. Em oposição à ação de separar e de distinguir que caracteriza o Regime Diurno, no Regime Noturno prevalece a ação do misturar e do confundir, do prender, atar, soldar, ligar, aproximar, pendurar, abraçar.

Essa negação do negativo, por meio da eufemização e da inversão, que leva a um mergulho na intimidade e na quietude, compõe a atitude psíquica mais radical do Regime Noturno. Durand, no entanto, identifica que essa atitude leva a uma outra, reconciliadora: “A imaginação noturna é, assim, naturalmente levada da quietude da descida e da intimidade, que a taça simbolizava, à dramatização cíclica na qual se organiza um mito do retorno [...]” (ibid., p. 279). Há, assim, entre as atitudes psíquicas associadas às imagens noturnas aquelas que fazem a síntese (ou a dramatização, ao reunir o trágico e o heroico) do temor e da angústia frente ao tempo e à morte (estruturas místicas), com a esperança e a crença na vitória sobre o tempo (estruturas heroicas). Elas fazem parte de estruturas que ele nomeia como sintéticas ou dramáticas e que se ligam ao reflexo dominante copulativo. Narrativas de morte e renascimento, caos e regeneração, androginia e da ligação dos contrários são exemplares desse movimento cíclico, polêmico e de eterno retorno que caracterizam algumas das imagens noturnas. A essas estruturas sintéticas foi sugerido e aceito o nome de Regime Crepuscular3.

Essas estruturas e regimes desenhados por Durand retratam de que forma o homem tem procurado, através do imaginário, equilibrar as tensões e pulsões que advêm do seu próprio corpo e do mundo. E, como o próprio Durand mostrou em seus estudos, a arte é um dos produtos mais reveladores dessas atitudes imaginativas, que realizam a mediação entre o eterno e o temporal e que constituem “a própria atividade dialética do espírito” (DURAND, 1988, p. 97).

Se considerarmos que no processo de criação da canção popular os imaginários dos compositores de suas letras e músicas se manifestam por meio de elementos simbólicos presentes na poética e na sonoridade dessas canções, é possível identificarmos – a partir das relações e significações estabelecidas por Durand – os significados essenciais que são compartilhados entre esses criadores e os apreciadores de suas obras. Acreditamos que a compreensão desse compartilhamento pode ajudar a entender o processo de identificação estabelecido em torno de determinados gêneros musicais contemporâneos com a formação das “tribos” urbanas inspiradas neles.

Nesse sentido, é interessante considerar as reflexões de Michel Maffesoli, seguidor dos estudos de Durand, que amplia o sentido de imaginário do individual para o grupal. Ao equiparar o imaginário à noção de “aura” de Walter Benjamin (SILVA, 2001), Maffesoli considera que o imaginário ultrapassa o indivíduo e impregna o coletivo, funcionando como um “cimento social”, um patrimônio compartilhado já que, para ele, a atividade simbólica assegura a coesão do conjunto (MAFFESOLI, 2005). Ele estabelece a ideia de que esse imaginário coletivo está associado ao fenômeno da (re)tribalização, do surgimento das “tribos urbanas” – microgrupos que usufruem o prazer de estar-junto através de diversos mimetismos – à medida que esse imaginário grupal é uma fonte comum de emoções, de lembranças, de afetos e de estilos de vida, e uma força, um catalisador, uma energia e, também, um patrimônio de todos que pertencem àquela tribo (MAFFESOLI, 2010).

Entendemos que a canção popular contemporânea pode ser pensada como um poderoso vetor da transição do imaginário individual, refletindo as atitudes imaginativas dos seus criadores, para o coletivo, onde se estabelece o processo de compartilhamento dos elementos simbólicos e seus significados entre artistas e a audiência, e vice-versa. Ela introduz, nesse sentido, um círculo virtuoso de reprodução e criação de novas imagens, símbolos, mitos e arquétipos no imaginário, em um processo que pode, segundo Maffesoli, ocorrer principalmente por contágio, através da aceitação do modelo do outro, da disseminação ou da imitação (ibid).

Para mapear quais são os principais elementos simbólicos que operam na construção dos sentidos de uma canção e que formam o seu imaginário, propomos, como veremos a seguir, recorrer a uma abordagem semiótica baseada no processo de análise textual desenvolvido por Roland Barthes.

 

Identificando movimentos, elementos simbólicos e sentidos nas canções

A trajetória antropológica do imaginário mapeada por Durand deságua nas atitudes imaginativas humanas e apresenta os fundamentos para os isomorfismos de significados e relações biopsicossociais na produção de símbolos, imagens, mitos e arquétipos em diferentes culturas. No caso da canção, esse processo de apreensão, construção e expressão de imaginários acontece na letra, na música e na interação entre ambas. É importante destacar que há uma capacidade na estética da canção de as letras e as sonoridades enfatizarem ou subverterem completamente umas às outras. Assim, versos que narram acontecimentos tristes podem ter seus sentidos subvertidos por uma sonoridade eufórica ou reafirmados e enfatizados por um ritmo e tons musicais lúgubres.

Como a canção popular gera sentidos na interação da música com a letra, na análise das sonoridades, propomos identificar se a música reforça ou subverte os sentidos que emergem das letras. Baseamos essa ideia no conceito de interpretantes imediato e dinâmico da semiótica peirciana. Considerando a tríade signo-objeto-interpretante no ato de fruição da sonoridade de qualquer canção, entendemos que o interpretante imediato é o potencial que essa sonoridade tem de produzir um determinado sentimento na mente do ouvinte e o interpretante dinâmico é a realização desse potencial, isto é, o efeito ou sentido emotivo (sentimental) que a sonoridade efetivamente produz na mente do ouvinte, como alegria, tristeza e tensão, entre outros. Dada essa qualidade das sonoridades das canções, propomos classificá-las adotando a própria classificação que Durand estabeleceu relacionada aos reflexos dominantes básicos do ser humano. Consideramos, assim, que as sonoridades das canções têm o potencial de transmitir à mente do ouvinte sensações de movimentos de subida, descida e cíclico, que caracterizam respectivamente as estruturas heroicas (Regime Diurno), íntimas (Regime Noturno) e dramáticas (Regime Crepuscular) do imaginário. Essa relação que estabelecemos entre as sonoridades potenciais nas canções e os movimentos presentes no processo do imaginário pode ser exemplificada pelas seguintes obras: (1) "Johnny B. Goode"(1955), de Chuck Berry, em que prevalece a sensação de um movimento ascensional e eufórico; (2) "Love Me Tender" (1956), na versão de Elvis Presley, que apresenta um movimento de descida, de mergulho em direção ao íntimo; e (3) "Stairway to Heaven" (1971), do Led Zeppelin, que, com a alternância de seus movimentos crescentes e decrescentes, nos remete a movimentos ascencionais e de queda, caracterizando-se como uma sonoridade cíclica.

Nas letras das canções, que têm seus sentidos enfatizados ou subvertidos pelos movimentos de subida, descida ou cíclicos das sonoridades que as acompanham, encontram-se os elementos simbólicos e suas referências intertextuais às quais os compositores recorrem para a construção de seus sentidos. Para identificar essas figuras e seus significados, usamos o conceito de “avenida de sentido”, desenvolvido por Roland Barthes em seus seminários e textos entre 1963 e 1973. Barthes aponta que os textos4 contêm pontos de partida de sentidos e constituem “avenidas” que, no subjetivo processo de interpretação do texto pelos interlocutores, os conduzem a outros textos: “a análise textual procura dizer, não mais de onde vem o texto (crítica histórica), nem como ele é feito (análise estrutural), mas como ele se desfaz, explode, se dissemina: segundo que avenidas codificadas ele se vai” (BARTHES, 2001, p. 287).

Na análise textual proposta por Barthes, uma “avenida de sentido” sustenta-se no isotopismo de seus índices que a direcionam a desembocar em determinadas conotações. Nos versos que compõem a letra de uma canção, entendemos esses índices como os elementos simbólicos que emergem nessas avenidas de sentido. Elementos que podem expressar sentimentos, como o “ciúme”, a “paixão” ou a “raiva”, objetos do mundo natural com os seus simbolismos, como a “Lua”, o “Sol” ou a “noite”, ações, como o “esperar”, o “encontrar” ou o “fugir”, ou fatos sociais e comportamentais, como a “festa”, a “catástrofe” ou a “fofoca”, entre outros. Elementos que, mesmo quando têm o potencial de múltiplas conotações – a “noite”, por exemplo, pode remeter ao amor romântico, à solidão ou ao sexo –, assumem uma significação específica na avenida de sentido em que estão e convergem para um dos regimes de imagem descritos por Durand.

Na análise da percepção da sonoridade, definimos a predominância de um determinado movimento em toda a canção, seja de ascensão, de queda ou cíclico (ascensão e queda), com a finalidade de avaliar sua interação com os sentidos das letras. Já nestas, buscamos encontrar os elementos simbólicos que se constituem em pontos de partida de sentidos. O objetivo é apontar as imagens, símbolos, mitos e arquétipos presentes nas letras que definem o(s) sentido(s) que ela constrói. Esses elementos simbólicos abrem e pavimentam determinada(s) avenida(s) de sentido ao estabelecerem uma coerência semântica em direção a uma determinada significação. Cada avenida de sentido é assim aberta e sustentada a partir de elementos simbólicos que produzem a reiteração e recorrência de uma mesma característica semântica. Esse fenômeno de coerência semântica foi definido por A. J. Greimas como isotopia, “um complexo de categorias semânticas múltiplas que possibilitam a leitura uniforme de uma história” (apud FIORIN, 2002, p. 81).

A análise que propomos não pretende esgotar os sentidos construídos por uma canção, mas apontar, a partir de uma interpretação sustentada (isotópica) de alguns de seus sentidos possíveis, como os elementos simbólicos presentes nela representam um determinado imaginário, compartilhado entre o(s) compositor(es) da canção e seus apreciadores. A semiose5 desses elementos se faz, assim, não isoladamente mas em um “pacote” de significações que a canção estabelece, incluindo a influência que a sua sonoridade exerce sobre o(s) sentido(s) construídos. Para exemplificarmos essa abordagem, apresentamos, a seguir, a aplicação das ideias até aqui discutidas na análise dos elementos simbólicos presentes nos textos de duas canções populares.

 

Em busca dos imaginários na canção popular contemporânea

“Great Balls of Fire” (1957) é um dos sucessos de Jerry Lee Lewis, um dos pioneiros do rock. Composta por Ottis Blackwell e Jack Hammer, a canção mistura elementos do hillbilly boogie, estilo da música country, com o blues e o boogie-woogie, típicos da música negra norte-americana. Essa fusão resultou em um subgênero do rock denominado de rockabilly. Em “Great Balls of Fire”, a intensidade e a altura do som e da voz e o seu andamento acelerado transmitem a sensação de um movimento ascensional, o que confere a sua sonoridade um tom otimista e eufórico.

A letra de "Great Balls of Fire":

You shake my nerves and you rattle my brain

Too much love drives a man insane

You broke my will, but what a thrill

Goodness, gracious, great balls of fire

I laughed at love 'cause I thought it was funny

You came along and moved me honey

I've changed my mind, love is fine

Goodness, gracious, great balls of fire

Kiss me baby, woo feels good

Hold me baby

Girl you let me love you like a lover should

You're fine, so kind

I want to tell this world that your mine mine mine mine

I chew my nails and I twiddle my thumbs

I'm real nervous, but it sure is fun

Come on baby, drive me crazy

Goodness, gracious, great balls of fire!!

Kiss me baby, woo feels good

Hold me baby

I want to love you like a lover should

You're fine, so kind

I've got tell this world that your mine mine mine mine

 

traz um protagonista cantando em primeira pessoa (que produz um efeito de fusão do personagem com o intérprete), uma narrativa sobre como a pessoa amada transformou sua visão do amor e quais são os impactos corporais e mentais que a paixão tem lhe causado. Esse sentido, que classificamos arbitrariamente no tema “poder do amor”, é o que emerge para nós de forma mais evidente e imediata dos versos. É importante notar também que o protagonista (aquele que canta) assume na canção um papel passivo. As ações ou a causa dos eventos narrados estão centradas na pessoa amada (para quem ele canta). Há, na interação música e letra, um predomínio do movimento ascensional da sonoridade que dá um tom “heroico” à canção, associando-a às estruturas do Regime Diurno.

Em relação à letra, os principais elementos simbólicos que estabelecem a isotopia do tema “poder do amor” na canção são:

- louco – a imagem do louco, que surge em versos como "You shake my nerves and you rattle my brain / Too much love drives a man insane" – funciona como metáfora do sujeito perdidamente apaixonado e que tem dificuldades para lidar racionalmente com a situação, pois o amor e a pessoa amada lhe causam sintomas de insanidade. O tom eufórico e otimista da sonoridade enfatizam que essa é uma loucura desejada pelo protagonista, que o faz enfrentar seus medos e antigas opiniões para desfrutar dos prazeres do amor. Nesse sentido, é uma imagem que converge para a estrutura heroica do imaginário, dentro do Regime Diurno;

- fogo – a imagem do fogo, como símbolo da paixão e da sedução, ganha, na canção, com a expressão “great balls of fire”, uma dimensão épica, que reflete a percepção grandiloquente do protagonista sobre os efeitos que o amor exerce sobre ele. A imagem do fogo é ascensional – movimento que é enfatizado pela sonoridade da canção – e se caracteriza como pertencente ao Regime Diurno;

- transformação – o mito da transformação ou mudança é construído no percurso narrativo do protagonista que passa de um cético a um crente em relação ao amor. No início, ele não acreditava que um dia sentiria o que está sentindo: “You came along and moved me honey / I've changed my mind, love is fine”. Sua antiga opinião sobre o amor acabou transformada pela pessoa amada e pelo impacto emocional que ela teve sobre ele. De alguém que fazia troça do amor – “I laughed at love 'cause I thought it was funny” –, ele passou a acreditar nele e a achá-lo algo bom: “I've changed my mind, love is fine”. A transformação, neste caso, é vista como uma evolução – um final feliz – em que o protagonista vence seu ceticismo e pessimismo. Mito que, neste caso, converge para o Regime Diurno;

- beijo – a imagem do beijo surge como o ápice do desejo do protagonista em relação à pessoa amada e como símbolo de quão prazerosa é essa relação para ele: “Kiss me baby, woo feels good”. Ela representa, na canção, a imagem mais explícita da concretização da relação amorosa entre o protagonista e a pessoa amada. A imagem do beijo torna “real”, concreta, a relação amorosa entre o protagonista e a pessoa amada. O beijo é símbolo da união entre eles, do estar juntos, do aproximar-se, do abraçar e da intimidade acolhedora, ações que convergem para o Regime Noturno;

- amante – a imagem do amante emerge como o ideal a ser alcançado pelo protagonista na relação amorosa: “Girl you let me love you like a lover should” / “I want to love you like a lover should”. É um dos aspectos do querer-possuir manifestado pelo protagonista que atinge seu ápice no verso: “I want to tell this world that your mine mine mine mine”. A imagem do amante, como manifestação do querer-possuir, reflete o desejo de união total entre o protagonista e a pessoa amada, seu objetivo final com forte conotação sexual, em oposição à pureza que caracteriza a estrutura heroica. É uma imagem que remete ao atar, ao ligar e ao unir que caracterizam o Regime Noturno.

Há na canção um trajeto da narrativa que vai de elementos simbólicos dos Regimes Diurno em direção aos do Noturno, de estruturas heroicas em direção às místicas, do gesto postural para o digestivo. No imaginário da canção, o amor é trazido por um herói (a pessoa amada) para salvar alguém (o protagonista) de seu desencanto e ceticismo. Apresenta-se uma atitude conflitual para vencer algo visto como negativo, numa metáfora das disputas herói x monstro e luz x trevas. O ápice dessa disputa leva, no entanto, a um mergulho em direção ao íntimo, ao escondido e ao quente, representados pelas imagens do beijo, da união e do querer-possuir. A narrativa transita do Regime Diurno para o Noturno (ascensão - queda), no entanto, a sonoridade e os elementos simbólicos ascensionais prevalecem caracterizando a canção como predominantemente representativa do Regime Diurno. De forma geral, os principais elementos simbólicos em "Great Balls of Fire" preenchem e dão forma a um arquétipo de amor romântico e indicam que eles podem ser representativos do imaginário da juventude urbana ocidental da década de 1950, o que poderá ser verificado em uma análise ampla do repertório de canções jovens da época.

A seguir, analisamos uma canção de outro gênero e de outra época, mas que também pertence ao repertório da canção jovem contemporânea e tem o amor romântico como tema central. "Ainda É Cedo" (1985), da banda brasiliense Legião Urbana, foi composta por Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá, Renato Rocha e Ico Ouro-Preto. Ela é exemplar do movimento de renovação do pop-rock brasileiro dos anos 1980, com sua sonoridade com elementos do punk e da new wave, gêneros que no final da década de 1970 fizeram sucesso no Reino Unido e nos Estados Unidos.

A letra de "Ainda É Cedo":

Uma menina me ensinou

Quase tudo que eu sei

Era quase escravidão

Mas ela me tratava como um rei

Ela fazia muitos planos

Eu só queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir

Mas, egoísta que eu sou,

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

E não quis me separar

Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

E eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém

E eu dizia: - Ainda é cedo

cedo, cedo, cedo, cedo.

Sei que ela terminou

O que eu não comecei

E o que ela descobriu

Eu aprendi também, eu sei

Ela falou: - Você tem medo.

Aí eu disse: - Quem tem medo é você.

Falamos o que não devia

Nunca ser dito por ninguém

Ela me disse: - Eu não sei mais o que eu

sinto por você.

Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê.

E eu dizia: - Ainda é cedo

cedo, cedo, cedo, cedo.

 

canta sobre um relacionamento amoroso cheio de mágoas e dificuldades de entendimento entre os sujeitos amorosos (o oposto da relação amorosa retratada em "Great Balls of Fire"). Em "Ainda É Cedo", a narrativa em primeira pessoa faz o protagonista se confundir com o intérprete. O protagonista/intérprete (aquele que canta) narra, recorrendo em alguns versos ao diálogo em discurso direto, fases do seu relacionamento com a pessoa amada, ao mesmo tempo em que faz reflexões sobre esse relacionamento. A avenida de sentido que emerge imediatamente da canção é a da história de amor que não deu certo e que levou à separação dos sujeitos amorosos. A narrativa tem duas partes: na primeira, descreve-se a relação amorosa entre o protagonista e a pessoa amada e o papel que eles assumiam na relação; na segunda, retrata-se como se deu o fim da relação. A canção reúne elementos musicais que induzem a movimentos ascensionais, como o ritmo determinado pelo seu compasso acelerado e o crescente da voz em direção ao refrão, com os que remetem ao movimento de queda, de mergulho no íntimo, como a sonoridade destacada do baixo e os tons lúgubre da voz e sombrio da melodia conduzida pela guitarra, o que dá a sua sonoridade movimentos cíclicos (alternando ascensão e queda).

Em relação à letra, os principais elementos simbólicos que estabelecem a isotopia do sentido da "história de amor que não deu certo" na canção são:

- mentor - a imagem do mentor, que surge nos versos "Uma menina me ensinou / Quase tudo que eu sei" e "Ela fazia muitos planos", relaciona-se à pessoa amada, que é quem conduz o protagonista no relacionamento (objeto de admiração do protagonista, essa imagem pode estar associada à percepção do amadurecimento mais cedo das mulheres em relação aos homens, percepção recorrente na obra do grupo, como na canção "Eduardo e Mônica"). O mentor é aquele que mostra o caminho, uma figura heroica para o seu seguidor. Ele pode até mesmo fazer do seu seguidor um ser dominado e submisso, como mostram os versos: "Era quase escravidão / Mas ela me tratava como um rei". O mentor é o que está acima, o que ilumina o caminho, sendo uma imagem que converge para as estruturas heroicas do Regime Diurno.

- solidão - a imagem da solidão é construída ao longo da canção pelos versos "Eu não tinha aonde ir", "E não quis me separar / Porque eu não tinha mais ninguém / Ela também estava perdida / E por isso se agarrava a mim também / E eu me agarrava a ela". A solidão define outras condições dos sujeitos amorosos, como a dependência e a acomodação à situação. A imagem da solidão nesse contexto está associada às trevas, isto é, a um lugar em que os sujeitos amorosos não querem estar, convergindo para as estruturas do Regime Noturno.

- separação - a imagem da separação ou rompimento, que surge nos versos "Sei que ela terminou / O que eu não comecei", "Ela me disse: - Eu não sei mais o que eu / sinto por você / Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê", é colocada em prática pela pessoa amada, figura associada à imagem do "mentor" e, portanto, figura heroica da narrativa. O rompimento é o resultado também de uma relação que se desgastou ao se basear na dependência entre os sujeitos amorosos, isto é, no medo que eles tinham de ficarem sós e no fato de usarem um ao outro como "portos seguros". É nesse caso uma ação corajosa e, portanto, heroica. Além disso, o ato de separar, em oposição ao de misturar, é derivado do gesto postural e característico do Regime Diurno.

- juventude - a questão da temporalidade colocada no refrão "Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo" pode ser interpretado como a visão do protagonista de que há tempo para se tomar as atitudes, que elas não precisam ser prematuras e que há tempo para recomeçar. Nesses sentidos pode ser associada à imagem da juventude do protagonista. A imagem da juventude se opõe à da finitude (da morte e do devir) e converge para o Regime Diurno.

Em "Ainda É Cedo", o percurso narrativo passa do Regime Diurno para o Noturno e retorna ao Diurno, com os movimentos de ascensão-queda-ascensão, representados na imagem heroica do mentor, na mística da solidão e nas heroicas da separação e da juventude. A sonoridade crepuscular - que reúne movimentos de ascensão e queda - reforça esse percurso que remete ao sentido do amadurecimento dos sujeitos amorosos (da dependência para a independência) e da perspectiva de poder recomeçar (evidenciada na polissemia do refrão "Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo"). No geral, os principais elementos simbólicos em "Ainda É Cedo" a caracterizam como uma canção cujo imaginário é predominantemente crepuscular, revelador que pode ser de um tipo de visão de mundo da juventude da década de 1980.

 

Considerações finais

A partir das análises apresentadas, consideramos que a aplicação da classificação dos elementos simbólicos do imaginário, de acordo com as estruturas antropológicas propostas por Gilbert Durand, dentro de uma perspectiva semiótica, no estudo da canção popular contribui para a compreensão dos sentidos que emergem de cada obra e pode possibilitas a composição do imaginário coletivo em uma determinada época ou em um determinado gênero musical, se a análise abranger um repertório amplo e representativo do recorte estabelecido. Acreditamos que esse processo, ao permitir a identificação dos elementos simbólicos mais frequentes e dos sentidos predominantes a eles associados, pode também ajudar a compreender de que forma se dá o compartilhamento de imaginários entre os criadores das canções (compositores) e o público (apreciadores) e, até mesmo, a influência que esses imaginários exercem sobre outras gerações ou culturas.

Os resultados nos encorajam a considerar que o estudo semiótico do imaginário nas canções populares pode estabelecer um novo ponto de vista sobre como se dá o processo de identificação cultural em torno de determinados gêneros e estéticas musicais. Dado que a canção popular tem sido o vetor desses processos de identificação global e formação de "tribos urbanas", entendemos que analisar esse fenômeno cultural a partir dos imaginários individuais e coletivos expressos nela pode ser uma forma de compreender esse processo a partir de um ponto de vista diferente daquele baseado em paradigmas clássicos da comunicação, presentes na teoria crítica desenvolvida a partir da Escola de Frankfurt ou na hipótese do imperialismo cultural, por exemplo.

 

Referências

BARTHES, Roland. A Aventura Semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

________________. Fragmentos de um Discurso Amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2010

DURAND. Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_______________. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Edusp e Cultrix, 1988.

ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005.

GITELMAN, Lisa. Always Already New: Media, History and the Data of Culture. Cambridge: The MIT Press, 2008.

MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulinas, 2005.

___________________. Tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2010.

SILVA, Juremir Machado. O Imaginário é uma realidade? In Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 15, agosto 2001, quadrimensal, p.74 – 82.

STRÔNGOLI, Maria Thereza de Queiroz Guimarães. O imaginário da menina e a construção da feminilidade.In Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 44, n. 4, p. 26-40, out./dez. 2009.

1 Doutor em Comunicação e Semiótica e pesquisador do Grupo Comunicação e Criação nas Mídias da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

2 O conceito de mídia utilizado neste artigo é o desenvolvido por Lisa Gitelman: "I define media as socially realized structures of communication, where structures include both technological forms and their associated protocols, and where communication is a cultural practice, a ritualized collocation of different people on the same mental map, sharing or engaged with popular ontologies of representation" (GITELMAN, 2008, p.7).

3A sugestão foi feita durante o Colloque sur l’oeuvre de Gilbert Durand, em 1991, na França.

4O termo "texto" é aqui entendido como o conteúdo de qualquer forma de expressão, independentemente do seu suporte, podendo, assim, ser considerado um texto um filme, um romance, uma canção, uma dramaturgia, uma obra de artes plásticas ou uma narrativa oral, entre outras linguagens.

5Semiose entendida aqui na definição peirceana: “[...] uma ação, uma influência que seja ou envolva uma cooperação de três sujeitos, como por exemplo, um signo, o seu objeto e o seu interpretante [...]” (apud ECO, 2005, p. 10).