“A responsa de mudar o mundo com a ponta de uma caneta”: considerações sobre o rap nacional
Laeticia Jensen Eble[1]
laeticia.jensen@gmail.com
Resumo: Entendendo a arte como prática sociocultural historicamente determinada, e o rap como um gênero artístico que concilia estética e política, este trabalho se insere no âmbito dos estudos culturais, propondo uma análise crítica interdisciplinar que privilegia a questão da representação do negro. Serão analisadas algumas letras do rap nacional, especialmente dos Racionais MCs e de Emicida, entre outros.
Palavras-chave: Representação; Rap; Hip-hop; Racionais MCs; Emicida.
Abstract: Understanding art as a historically determined sociocultural practice, and rap as an artistic genre that combines aesthetics and politics, this work falls within the scope of cultural studies, proposing an interdisciplinary critical analysis that focuses on the problem of the representation of black people. It will analyze some of the Brazilian rap lyrics, especially those by Racionais MCs and Emicida, among others.
Keywords: Representation; Rap; Hip-hop; Racionais MCs; Emicida.
Ora rica, ora pobre, ora vibra, ora sofre...
A rima é muito mais que tinta e pergaminho.
GOG
1 Introdução
Começo tendo por mote o verso que inicia o título deste artigo, colhido de uma letra de Emicida, rapper de São Paulo, em cujo refrão ele diz: “Se eu cair vai ser rimando, se eu me levantar vai ser / Rimando, no comando, nunca a mando de ninguém” (EMICIDA, 2009). É considerando essa noção de protagonismo que interessa pensar a produção dos autores da periferia ligados ao movimento hip-hop, ou seja, interessa compreender melhor esse objeto produzido no contexto de um movimento que tem seu lado artístico, mas também um viés declarado de engajamento político de sujeitos que se encontram submetidos a um contexto social de segregação e de marginalização. Sua arte, assim, constitui-se em um meio de resistência face a uma ordem que oprime e acossa, importando não apenas como denúncia mas também como instrumento de esclarecimento e empoderamento.[2]
“A verdadeira literatura marginal é o rap”, afirmou o escritor e rapper Ferréz.[3] Sem interpretar esta sentença de forma limitante – ou seja, em termos de atribuir aí a fixação de uma autenticidade –, entende-se que o rap surge como enunciação de uma voz periférica que possui maior autonomia em contraposição ao campo literário, que, ainda hoje, vincula-se, sobretudo, ao objeto livro.
Há algum tempo, o rap vem sendo estudado por diversas áreas do saber, sobretudo, por seu caráter político. Tomadas como testemunho das experiências de privação e opressão vivenciadas por moradores das periferias, em geral, as letras de rap são usadas como um espelho, uma tentativa de refletir a partir de dentro uma visão da periferia. De forma complementar, ao trabalhar com essa produção na literatura, procura-se também observar como a periferia torna-se matéria-prima orgânica para expressões estéticas e ficcionais criativas.[4]
Não é novidade entre os pesquisadores constatar que, no Brasil, o hip-hop se configurou como, nas palavras da professora Wivian Weller (2011, p. 16) “espaço de partilha e experiências e de elaboração de estratégias de enfrentamento do racismo e do preconceito”. Compartilhando experiências comuns vividas no contexto urbano – em especial, da periferia –, bem como um passado de escravidão e um legado de africanismos, entre outros aspectos em comum, muitos jovens se apropriam do hip-hop visando à “construção de identidades, no enfrentamento da segregação socioespacial e da discriminação étnico-racial” (loc. cit.). No que diz respeito ao hip-hop e ao protagonismo negro, não por acaso, a primeira posse[5] brasileira tinha o nome de Sindicato Negro.
Fazendo-se um retrospecto, a emergência e a influência da black music norte-americana em São Paulo, na década de 1970, fortalecia a identidade coletiva do negro tanto estética quanto politicamente, porque permeado por uma posição claramente de protesto contra as desigualdades e contra o racismo. Essas manifestações artísticas puderam, aos poucos, esclarecer a população acerca do mito da democracia racial,[6] o que era proibido até então, em virtude da censura imposta pela ditadura.
Com a ascensão do movimento hip-hop, começaram a surgir as parcerias com organizações não governamentais (ONGs), como a parceria com o Geledés (Instituto da Mulher Negra) a partir de 1991, que, entre outras atividades, promovia a publicação da revista Pode crê, primeira revista brasileira especializada em hip-hop. Com esse apoio, os jovens puderam aprofundar, de forma mais organizada, seus conhecimentos acerca da história do movimento negro. A partir daí, o rap passou a ter entrada também nas escolas públicas, onde eram promovidos shows de rap e palestras com os jovens.
Tendo como objeto principal os trabalhos dos Racionais MCs e Emicida, entre outros que serão citados, a análise, a interpretação e as discussões que serão desenvolvidas nas seções a seguir assumem uma perspectiva interdisciplinar, apoiando-se em autores de diferentes áreas, como Sociologia e Ciência Política.
Para fins deste artigo, a análise se deterá unicamente no potencial discursivo das letras, mesmo considerando que, eventualmente, algumas possibilidades de interpretação se percam quando desvencilhadas do som que as acompanha nas gravações. No entanto, de acordo com a postura indicada no início, essa leitura faz cada vez mais sentido no momento atual do rap nacional, em que as batidas típicas do rap têm ganhado novas roupagens em função das mixagens cada vez mais contaminadas por outros gêneros como samba, reggae, afrobeat, ska, o repente e a embolada, entre outros.[7] Nesse caso, pode-se dizer que a o rap não chega a perder sua identidade, que permanece reconhecível na atitude presente na forma aguçada com que os temas são desenvolvidos nas letras.
Visto que uma grande parcela da classe artística insiste em situar o rap no plano da cultura popular, é importante esclarecer que, num país como o Brasil, em que o racismo é condenado pelo sistema jurídico, mas permanece nas atitudes, a desigualdade passou a se manifestar de forma dissimulada e, se sua explicação, antes, era atribuída às raças, agora é substituída por uma noção de superioridade da cultura branca em relação à cultura negra (GUIMARÃRES, 1999, p. 220-221). Negar a legitimidade artística é uma boa estratégia para os conservadores e privilegiados suprimirem e ignorarem as realidades dos dominados (SHUSTERMAN, 1998, p. 123).
2 De silenciado à porta-voz: a questão racial
Em 1989, o famoso rapper norte-americano Chuck D, vocalista do grupo Public Enemy, afirmou: “rap is CNN for black people”. Atualizando e reproduzindo o bordão, muitos rappers brasileiros se referem ao rap como a CNN da periferia ou a CNN do morro. A função de atuar como a “voz da periferia”, ou, ainda, como porta-vozes,[8] atribui ao rap duas características estruturais indissociáveis: i) recriar poeticamente o cotidiano de sua comunidade, registrando o que se vive na periferia no que diz respeito ao preconceito, à violência, à segregação socioespacial etc.; e ii) atribuir a si o poder do discurso e da representação a partir de uma condição específica, ou seja, oferecer uma perspectiva própria a esses fatos, diferente daquela reproduzida pelo discurso dominante.
Considerando-se a representação como estar no lugar ou falar em nome de outras pessoas ou grupos, Iris Young observa que, não por acaso, os culturalmente dominados experimentam uma “opressão paradoxal”, ou seja, “são apresentados por meio de estereótipos e, ao mesmo tempo, se tornam invisíveis” (2000, p. 104, tradução nossa). A situação de ver a si mesmos sempre pelos olhos dos outros cria o que Du Bois (1903/1969 apud YOUNG, 2000, p. 104) chama de “dupla consciência”. Ou seja, se, por um lado, os membros do grupo oprimido se veem obrigados a internalizar as imagens estereotipadas e inferiorizadas oferecidas pelos dominantes, por outro, eles resistem a essas visões desvalorizadoras de si mesmos e buscam reconhecimento como seres plenos de subjetividade, de desejos e possibilidades. De acordo com Young, para que haja justiça, é preciso uma mudança cultural que permita aos grupos marginalizados “desenvolver formas de expressão cultural para redefinir uma imagem positiva de si mesmos” (2000, p. 25).
Os rappers perceberam a necessidade dessa mudança de perspectiva e, não por acaso, verifica-se em suas letras um claro movimento de questionamento dos estereótipos e de uma situação social que insiste em sua reprodução. O rap distingue-se de outras expressões por reafirmar a diferença; assim, coloca-se claramente em oposição à noção de democracia racial que, desde a década de 1940, se fez presente no discurso de destacados intelectuais (GUIMARÃES, [s.d.]). Uma das letras mais famosas do grupo de rap Racionais MCs é “Negro drama”, gravada no disco Nada como um dia após o outro (2002). O título, fazendo uso ambíguo da palavra “drama”, alude à experiência trágica vivida por uma coletividade negra – como diz a letra, “o drama da cadeia e favela, / túmulo, sangue, / sirene, choros e velas” –, apontando simultaneamente o tom dramatúrgico da composição, construída como um monólogo em que se reconhece um alto teor de teatralidade – “Daria um filme, / Uma negra, / E uma criança nos braços, / Solitária na floresta, / De concreto e aço” (grifo nosso).
Me ver
pobre, preso ou morto,
Já é cultural.
Histórias, registros,
Escritos,
Não é conto,
Nem fábula,
Lenda ou mito,
Não foi sempre dito,
Que preto não tem vez?
Ao longo de sua letra, “Negro drama” questiona, sobretudo, o padrão preconcebido atribuído ao negro no imaginário social e cultural brasileiro – um dos temas mais caros e recorrentes no rap –, alertando para o diferencial da sua perspectiva: “eu não li, eu não assisti / eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama”.
Em uma sociedade que veda aos negros o acesso aos estratos mais elevados, a letra dos Racionais MCs reflete: “Negro drama / Crime, futebol, música, caraio, / Eu também não consegui fugi disso aí / Eu sô mais um.” Encalacrados em sua condição pobre e, especialmente, negra, as únicas possibilidades de expressão e de escolha que lhes são referendadas são seguir o caminho do crime, do futebol ou da música. Entre estas opções, a música é a única vinculada à arte.[9] E, ainda que de forma regulada e desprestigiada,[10] a música ao menos proporciona a possibilidade de manifestação discursiva. É justamente de posse consciente desse espaço de ascensão de sua voz que os rappers operam um movimento de subversão da imagem que lhes cabia.
Eu era a carne,
Agora sou a própria navalha
Tim..tim..
Um brinde pra mim
Sou exemplo, de vitórias,
Trajetos e glórias.
[...]
Entrei pelo seu rádio,
Tomei,
Cê nem viu
Nóis é isso ou aquilo
O quê?
Cê não dizia
Seu filho quer ser preto
Rhá,
Que ironia.
É pela música – difundida hoje, sobretudo, pela Internet – que essa comunidade vai minando o campo artístico com uma representação alternativa e conquistando o sucesso, o reconhecimento, a revalorização, de tal modo que, como diz a letra, o filho do branco quer ser preto.[11] Contudo, o narrador de “Negro drama” não ignora o estigma que carrega, como se em sua cor estivesse embutido um pré-julgamento, que lhe acompanha desde sempre, geração após geração.
Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama
Eu sou o fruto do negro drama [...]
Mas aê, se tiver que voltar pra favela
Eu vou voltar de cabeça erguida
Porque assim é que é
Renascendo das cinzas
Firme e forte, guerreiro de fé
Vagabundo nato!
Por meio de uma ironia fina, o narrador mostra que o negro drama, afinal, resume-se à imagem do “vagabundo nato”, diante da qual ser negro equivaleria, então, a ter de enfrentar para sempre a pecha imposta de fora para dentro. O cientista social Gabriel de Santis Feltran lembra que o termo “vagabundo”, quando utilizado por policiais, refere-se a suspeitos e criminosos, principalmente aqueles oriundos das classes populares. Feltran observa que esse olhar supostamente “técnico” dos policiais não é neutro, e que, não por acaso, são jovens negros e pobres que são encontrados assassinados nas favelas e periferias. Se, ao contrário do caminho do crime, o jovem de periferia opta pelo mundo do trabalho, é comum que ele tenha dificuldades de conseguir um posto e esteja em alguns momentos desempregado, de modo que “o estigma do vagabundo os ronda” (FELTRAN, p. 2003, 128).[12]
É pelo mesmo motivo que Emicida retoma o bordão de Tupac[13] para abrir a letra de “Cê lá faz ideia” (da mixtape Emicidio, gravada em 2010), em que critica a lógica que sustenta a distinção racial: “Tupac já dizia: Algumas coisas nunca mudam. / São regras do mundão / Perdi as contas de quantos escondem a bolsa se eu digo: que horas são?” Referindo-se também à ideia do “vagabundo nato” dos Racionais, Emicida escreve: “Nasci vilão, só veneno / Com o incentivo que me dão, errado tô se eu não virar mesmo”.
Nessa letra, Emicida forja um personagem que narra em primeira pessoa e conta que, para batalhar por um emprego, precisa levar seu currículo a pé, porque onde mora o ônibus não para. Assim, suado e com os pés cheios de barro, chega ao meio-dia com uma imagem deplorável, “inspirando piada nos boy, transpirando medo nas tia”. Emicida vai narrando as emoções que surgem com a experiência da injustiça sofrida pelo personagem da letra, que sente dor e ódio quando se compara com a gente “católica, de bem, linda” que encontra em seu percurso, ao que o narrador-personagem surpreende o ouvinte chamando-o à consciência de que o problema todo reside em sua cor: “Cê já notou, e ó que eu nem falei a minha cor ainda?”
Em contraste com a associação corrente do negro ao crime, enfatizada constantemente pela polícia e pela imprensa, Emicida nos apresenta o outro lado, o lado de quem se sente violentado psicologicamente em sua honra diariamente: “Cê lá faz ideia do que é ver, vidro subir, alguém correr quando avistar você?”
Problematiza-se, então, os mecanismos psicológicos ou individuais que alimentam a baixa autoestima de um grande número de pessoas pertencentes a esses grupos, reforçando sistematicamente a inferiorização em função de suas características (somáticas ou culturais). Remetendo-se a essa noção, o narrador da letra de Emicida conclui:
Quantos da gente sentam no final da sala pra ver se ficam invisível
Calcula o prejuízo
Nossas crianças sonham que quando crescer, vai ter cabelo liso [...]
Cê sabe o quanto é comum, dizer que preto é ladrão
Antes mesmo de a gente saber o que é um
Na boca de quem apoia, desova e se orgulha da honestidade que nunca foi posta à prova
Eu queria te ver lá, tiriça[14]
Pra ver onde você ia enfiar essa merda do teu senso de justiça
3 Cronistas e críticos da periferia
Desempenhando, por outro lado, a função de crônicas da periferia,[15] as letras detêm-se também, muitas vezes, em registrar o dia a dia da “quebrada”.[16] Segundo Silva (1998), esse procedimento é marcado especialmente pela gravação do álbum Raio X do Brasil, dos Racionais MCs, em 1993, e teve continuidade em Sobrevivendo no inferno (1997), em que o mesmo expediente predomina.[17] Entre os novos nomes da cena do rap nacional, observa-se esse movimento de evidenciação dos contrastes e das injustiças pela forma como o espaço é representado em letras como “Quatro da manhã”,[18] de Criolo, e “A vaga”, de Ogi.[19]
Já a periferia como lugar de identificação aparece de várias formas; uma delas é a relação de amizade, sendo o espaço da periferia onde os “manos” reconhecem seus companheiros, onde encontram “os trutas[20] de verdade”. Não por acaso os encartes e muitas gravações de rap são repletos de agradecimentos e dedicatórias. É a “família unida até no meio das ratazana / Pra não toma pelé de qualquer sacana” (“I love quebrada”, EMICIDA, 2010). Outra, bastante arraigada culturalmente, refere-se ao ambiente, depositando nele o reconhecimento de sua identidade: “O dinheiro tira um homem da miséria / Mas não pode arrancar de dentro dele a favela” (“Negro drama”, RACIONAIS MCs, 2002).
É importante, portanto, perceber as diferentes maneiras pelas quais o espaço passa a compor a subjetividade dos sujeitos. Pela forma como o espaço é representado, na medida em que se visualiza o enfrentamento centro versus periferia e são descritos os contrastes sentidos inclusive fisicamente pelos personagens, reproduz-se também o embate que se processa numa perspectiva sociocultural.
Daqui eu vejo uma caranga do ano
Toda equipada e o tiozinho guiando
Com seus filhos ao lado estão indo ao parque
Eufóricos brinquedos eletrônicos
Automaticamente eu imagino
A molecada lá da área como é que tá
Provavelmente correndo pra lá e pra cá
Jogando bola descalços nas ruas de terra
É, brincam do jeito que dá
(“Fim de semana no parque”, RACIONAIS MCs, 1993)
Uma questão polêmica, sempre levantada tanto nas letras quanto nas entrevistas com os rappers, refere-se ao problema da cooptação pela mídia, quando os grupos de rap conquistam maior visibilidade em virtude do sucesso que alcançam. Isso porque a espetacularização, em alguns aspectos, contradiz o caráter transgressor do rap e a proposta de autogestão – a ideia de “nós por nós”, como bem lembrou o rapper GOG recentemente em seu perfil no Facebook.[21] Esse é um problema a ser resolvido dentro do hip-hop, pois uma boa parte dos rappers – aqueles mais arraigados aos preceitos originais – preocupa-se com a exposição, procurando se preservar diante do mainstream, que implicaria uma submissão ideológica a pessoas e instituições que trabalham para a reprodução de um sistema de exploração que sustenta a estrutura social, bem como a transformação do rap em mera mercadoria. No entanto, atualmente, com a chamada nova geração do rap, esse pensamento tem evoluído no sentido de negociar certa visibilidade – sem abrir mão de seus princípios –, em função da difusão da mensagem para um número maior de pessoas, que passam, dessa forma, a refletir acerca de problemas sociais que as atingem. Favorece, inclusive, o reconhecimento daqueles que não têm a mesma sorte de estar mobilizados, como acontece com aqueles que se integram ao movimento hip-hop. Permeando o espaço midiático (especialmente o da televisão), o rap consegue oferecer novos pontos de vista em geral ausentes nesses espaços; e essa pode ser uma estratégia importante, visto que “os enredos e imagens dos meios midiáticos serão absorvidos no cotidiano de milhares de pessoas e se transformarão nos códigos interpretativos com os quais elas balizam o mundo e tecem suas próprias narrativas pessoais” (JAGUARIBE, 2007, p. 30).
Nesse sentido, é relevante a capacidade autocrítica de Emicida em relação ao tema. Em contraste com a crítica previsível presente nos versos da música “Sucrilhos”, de Criolo, que diz “cientista social, Casas Bahia e tragédia, / gostam de favelado mais que Nutella” (CRIOLO, 2011), Emicida assume uma mea culpa na música “Emicídio” e lança uma pergunta perturbadora atingindo direto o calcanhar de Aquiles: “quem ganha mais com a miséria, os políticos, o Datena ou o rap?” (EMICIDA, 2010). E é o próprio Emicida quem sinaliza um caminho, quando diz, em “I love quebrada” (EMICIDA, 2010), que é preciso “saber usar os meios sem deixar os meio usar nóiz”, porque, para ele, a imagem do rapper não pode ser maior do que aquilo que ele fala.
Percebe-se, então, que, ao desempenharem esse papel de porta-vozes, os rappers também atuam, de certa forma, como intelectuais, tal como entende Edward Said (2005, p. 27), visto que estes “são indivíduos com vocação para a arte de representar, seja escrevendo, falando, ensinando ou aparecendo na televisão”. Assim, na medida em que “pertencem ao seu tempo”, esses artistas intelectuais
(...) são arrebanhados pelas políticas de representações para as sociedades massificadas, materializadas pela indústria de informação ou dos meios de comunicação, e capazes de lhes resistir apenas contestando as imagens, narrativas oficiais, justificações de poder que os meios de comunicação, cada vez mais poderosos, fazem circular (SAID, 2005, p. 34-35).
Também é oportuno relativizar a afirmação frequente de que o rap é um discurso da periferia para a periferia, pois, observando-se mais detalhadamente as letras, percebe-se aqui e ali a constante presença de um enunciado que se dirige ao outro, no caso, à elite. Ou seja, o rap tem como destinatário dois públicos simultaneamente. Um ao qual o rapper alinha-se e por quem ele fala, quem ele representa; e outro que está lá para ser desafiado, em oposição direta ou visando a uma mobilização por uma participação mais democrática na sociedade. Assim, esse expediente surge por vezes de forma pedagógica, fazendo o outro ver e refletir sobre sua posição e sua responsabilidade diante dos problemas sociais, como a letra de “Negro drama” coloca: “Hey bacana,/ Quem te fez tão bom assim, / O que se deu, / O que se faz, / O que se fez por mim?” (Racionais MCs, 2002, grifo nosso).
Outras vezes, a função apelativa é empregada ostensivamente, por exemplo, quando o rapper Emicida escreve: “Já venci as batalhas, agora eu vou vencer a guerra / um bordão tipo ‘nóiz na fita’, te irrita / Mas hoje vai ter que fingir que preto é sua cor favorita” (2010, “Então toma!”, grifo nosso).
4 A mulher e a afetividade conquistando espaço
Avançando em outra temática, e escapando do caráter machista, e por vezes até misógino, de boa parte das letras de rap da década de 1980 e 1990, Emicida (2010), por sua vez, aparece com a composição de “Rua Augusta”, dedicada às prostitutas. O rapper conta que sua intenção era mostrar que alguém via a luta e o outro lado daquelas vidas; queria não apenas falar da prostituição, mas do descaso, do abandono, do preconceito que essas mulheres enfrentam, entregues à própria sorte, tendo que encontrar estratégias para lidar sozinhas com as violências diárias que sofrem:
Cada cigarro leva um ano de sofrimento
Ela manda um maço e de novo tá pronta pro arrebento
Ri com os travecos no breu, com o vulgo que a rua deu
Entra no carro se lembrando das amigas que morreu
Sampa, pra quem vem de fora é uma beleza
Mas a única coisa que todos têm aqui é incerteza
Assim também Nega Gizza, com suas letras, famosas por falar da condição da mulher negra e da favela, gravou, em 2002, a música “Prostituta” – segundo ela, como uma provocação ao moralismo da sociedade. A rapper conta que se interessou pelo tema depois de ter lido um livro sobre o assunto. Coincidentemente, na mesma época, uma amiga de infância lhe contou que passou a se prostituir para sustentar um filho de três anos e lhe apresentou outras mulheres que também lhe contaram de suas experiências com a prostituição. Diferentemente da postura adotada por Emicida, Nega Gizza escreve em primeira pessoa, colocando-se no lugar da prostituta. Visto que não se trata de um depoimento pessoal, Gizza justifica a atitude afirmando que “era preciso se posicionar”. Em “Prostituta”, a personagem afirma: “Não sei se tenho o valor que mereço, mas pra deitar comigo tem um preço”, mostrando suas contradições e o efeito do estigma (Goffman, 1988), como construção coletiva, que é experimentado também pelas prostitutas de forma subjetiva, uma vez que ela chega a se questionar a respeito do seu real valor.
Em ambas as letras, há a noção de que existem duas realidades e que contar a história de uma prostituta implica contar uma história dentro de outra história, na medida em que, por força da profissão, são obrigadas a encenar e encarnar uma personagem. Emicida, no primeiro verso de “Rua Augusta”, evidencia a dupla condição da prostituta, que se divide entre a “ficção” e a vida “real”: “As maquiagem forte esconde os hematoma na alma”. Por seu turno, Nega Gizza, de forma sarcástica, expõe a farsa e forma servil pela qual a prostituta se vê obrigada a assumir um papel de “entretenimento”: “Sou seu vídeo game, ligue aqui nesse botão”.
É a partir dessa percepção que surge a necessidade de narrar as outras experiências dessas mulheres e, então, aparecem sua atuação como mãe, a preocupação com os filhos, enfim, o lado das relações familiares, tantas vezes negligenciado e esquecido. Assim, essas letras têm o mérito de mostrar que as prostitutas não são diferentes de outras mulheres. Contudo, há uma radicalização desse vínculo entre mãe e filho na medida em que este funciona como “ponte” que ainda lhes garante algum resquício de dignidade – ao se mostrarem responsáveis pela saúde e pela educação dos filhos, elas teriam, afinal, algum valor. Na letra de Emicida, fica claro que o dinheiro ganho com o cliente tem destino certo: “vira leite pro filho”. Contudo, cabe refletir que, se por um lado, o rap se empenha em conferir outra identidade possível para a prostituta, por outro, fixa uma polarização das identidades da prostituta e da mãe. Assim, essa representação, apesar de importante, ao passo que liberta a representação da prostituta de uma única história possível (a prostituta em atividade), move-se de um estereótipo a outro, e não cede lugar a outras possibilidades de representação feminina.
Atualmente, também, muitas letras têm se preocupado em valorizar as mulheres como companheiras – as “minas de fé”. Mas o diferencial é que agora o papel do homem na relação tem sido revisto, na medida em que este é também cobrado no que tange ao respeito para com sua parceira. Assim, Emicida escreve em “Vacilão”, recriminando o “mano” que traiu sua mina:
Vacilão, tava com a melhor, com a mais de fé
Mas não deu valor, viu como cê é
Ela meteu o pé, tio, agora chora, agora chora...
[...]
Mandou mal, tanto que não ganhou nem tchau, encerra
Porque você nunca valeu o que o gato enterra
É interessante que a letra reserve espaço para dar razão à reação da mulher, quase como um exemplo de atitude, em que a própria voz da mulher responde ao responsável pelo vacilo: “Ué, cê não quis provar do buffet todo? Agora aguenta a azia”. Vale lembrar o contraponto da rapper Flora Matos, que também trata do tema, em “Tem quem queira”, reforçando que não há necessidade de submissão: “E se ele não quiser, tem quem queira / Pra cuidar bem de nós, não falta quem queira”.
De um modo geral, o tema da afetividade tem crescido gradativamente, como um movimento de abertura do rap, afinal “cá pra nós, até o mais desandado, / Dá um tempo na função, quando percebe que é amado” (Criolo, “Ainda há tempo”). Esse é outro ponto polêmico, mas, numa verdadeira crônica do cotidiano não poderia faltar também esse ingrediente.
Esta é uma questão que não pode ser tratada superficialmente com uma crítica rápida, que vê essa atitude como se fosse apenas uma fórmula para adocicar o rap e torná-lo mais palatável, na ânsia de ampliar seu público-alvo. É preciso observar de perto as letras, que, apesar de falar de relações afetivas e frustrações amorosas, não descuidam de elementos como a negritude. Mas o que precisa ser considerado é que, recusando a temática do amor em suas letras, o rap estaria consentindo que esse permanecesse como um tema reservado ao branco e às elites. Exigir do rap que se restrinja a determinados temas contribui para o velho procedimento de colocar cada um no seu lugar. A dificuldade de se permitir a experiência de uma relação de amor remete, ainda, a um passado escravocrata. Como lembra Bell Hooks (2000, p. 189), “a escravidão criou no povo negro uma noção de intimidade ligada ao sentido prático de sua realidade. Um escravo que não fosse capaz de reprimir ou conter suas emoções, talvez não conseguisse sobreviver”. Hoje, portanto, atualizar o discurso contra o preconceito, sair do lugar-comum da violência e mostrar a subjetividade de negros e pobres, que igualmente sofrem por amor, funciona igualmente como estratégia combativa e política.
5 Conclusão
Se, por um lado, as narrativas presentes nas letras de rap são lembradas por seu caráter de crônica da periferia, por outro, percebe-se que seu poder não se limita a um simples retrato (tirado por si mesmos). Elas revelam, de forma legítima e em toda sua expressividade poética, a subjetividade daqueles que ali vivem e experimentam aquela realidade sob outro ângulo, que não costuma ser devidamente contemplado pelo discurso hegemônico.
Enfim, neste texto, buscou-se oferecer uma breve análise de alguns pontos que precisam ser levados em consideração ao se debruçar sobre essa produção, que tem por norte confrontar representações recorrentes que atrelam o personagem da periferia, sobretudo o negro, a um estereótipo de inferiorização e marginalização. A leitura das letras de rap deve considerar que ser capaz de reescrever sua história está intimamente ligado ao compromisso com sua origem negra e periférica. Young (2000) defende que,
ao criar suas próprias imagens culturais [as pessoas oprimidas] removem de si os estereótipos que haviam recebido. Ao formar uma autoidentidade positiva por meio da organização e da expressão cultural pública, aqueles sujeitos oprimidos pelo imperialismo cultural podem então fazer frente à cultura dominante com demandas para que se reconheça sua especificidade (YOUNG, 2000, p. 261).
Desse modo, aquela imagem da periferia como o lugar de seres humanos descartáveis – dos “resíduos estatísticos”, das massas “que não têm história a escrever, nem passado, nem futuro” e cuja força “é o silêncio”[22] – vive hoje um momento histórico de renovação na cena cultural brasileira, e o rap tem uma parcela importante de protagonismo nesse processo.
Referências musicais
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______. Cálice. São Paulo, [s.d.]. Single.
______. Às quatro da manhã. São Paulo, [s.d.]. Single.
______. Ainda há tempo. São Paulo: SkyBlue Music, 2006. Faixa: “Ainda há tempo”.
EMICIDA. Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2009. Mixtape. Faixa: “Vai ser rimando”.
______. Emicidio. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2010. Mixtape. Faixas: “Cê lá faz ideia”, “I love quebrada”, “Emicídio”, “Então toma!”, “Rua Augusta”.
______. Sua mina ouve meu rep tamém. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2010. Faixa: “Vacilão”.
______. Identidade secreta. Entrevista a Tiago Agostini. Rolling Stone, n. 56, maio 2011. Disponível em: <http://rollingstone.com.br/edicao/56/identidade-secreta>.
FLORA MATOS. “Tem quem queira”. 2010. Single.
NEGA GIZZA. Na humildade. Rio de Janeiro: Zâmbia/Dum Dum Records, 2002.
OGI. Crônicas da cidade cinza. São Paulo: Ponto4 Digital, 2011.
RACIONAIS MCs. Raio X do Brasil. São Paulo: Zimbabwe, 1993. Faixa: Fim de semana no parque.
______. Nada como um dia após o outro. São Paulo: Cosa Nostra, 2002. Faixa: Negro drama.
Referências bibliográficas
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SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a arte: o pensamento pragmatista e a estética popular. Tradução de Gisela Domschke. São Paulo: Editora 34, 1998.
SILVA, José Carlos Gomes. Rap na cidade de São Paulo: música etnicidade e experiência urbana. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
WELLER, Wivian. Minha voz é tudo que eu tenho: manifestações juvenis em Berlim e São Paulo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
YOUNG, Iris Marion. La justicia y la politica de la diferencia. Madri: Cátedra, 2000.
[1] Doutoranda em Literatura na Universidade de Brasília e integrante do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea.
[2] Nesse sentido, são bastante esclarecedoras as entrevistas de representantes do movimento organizadas no livro Hip-hop: dentro do movimento, de Alessandro Buzo (2010).
[3] Entrevista disponível em: <http://goo.gl/Xn3Qg>.
[4] Em uma entrevista concedida em 2011 para a revista Rolling Stone, o rapper Emicida ilustra o processo: “Teve dia de eu sair para a escola, abrir o portão da minha casa e ter um cara morto na porta [...] Sempre vi as coisas de modo muito positivo. Minha imaginação me fez criar outro mundo, e é isso que eu quero que as pessoas sintam com a minha música.”
[5] As posses são grupos de jovens que se organizam em torno do movimento hip-hop. Constituem-se em um espaço coletivo de aperfeiçoamento artístico, troca de conhecimentos e discussão de questões atinentes ao movimento negro, à realidade periférica, entre outras, bem como de proposições de ações e mobilização política. As primeiras posses brasileiras surgiram inspiradas na Posse Zulu Nation (Nação Zulu), fundada por Afrika Bambaataa nos anos 1970, no Bronx, distrito de Nova York.
[6] Sobre a questão do mito da democracia racial, ver os textos de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães ([s.d.]; 2006).
[7] Nos últimos anos, os ritmos nordestinos, que trazem consigo também a tradição do canto falado, ganharam força na cena do rap, com a presença de nomes como Zé Brown, de Pernambuco, que lança mão do pandeiro em suas apresentações, e RAPadura, cearense radicado em Brasília que há anos canta rap usando trajes típicos nordestinos. Em sua música mais famosa, “Norte Nordeste me veste” (2010), cujo prólogo traz versos de Patativa do Assaré, o rapper assevera, defendendo a valorização e a incorporação de influências nordestinas no rap: “Eu meto lacres com backs derramo frases ataques / Atiro charques nas bases dos meus sotaques / Ôxe! Querem entupir nossos fones a repetirem nomes / Reproduzindo seus clones se afastem dos microfones”.
[8] Como explicita Emicida na letra de “Então toma”: “Sou porta-voz de quem nunca foi ouvido / Os esquecido lembra de mim porque eu lembro dos esquecido” (EMICIDA, 2010).
[9] Lembrando, como bem enfatiza Stuart Hall (2003, p. 342), que, “deslocado de um mundo logocêntrico – onde o domínio direto das modalidades culturais significou o domínio da escrita e, daí, a crítica da escrita e a desconstrução da escrita –, o povo da diáspora negra tem, em oposição a tudo isso, encontrado a forma profunda, a estrutura profunda de sua vida cultural na música.”
[10] A exemplo do samba, como bem lembram os versos de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida (1956) “a madame diz que o samba democrata / é música barata sem nenhum valor.”
[11] Como diz a música Cálice, de Criolo: “Há preconceito com o nordestino / Há preconceito com o homem negro / Há preconceito com o analfabeto / Mais não há preconceito se um dos três for rico.” É preciso observar que há, portanto, uma consciência do caráter escorregadio do sucesso – que, de certa forma, transforma-se na exceção que vem para confirmar a regra, visto que a vitória e a popularidade de um não necessariamente implicam a mudança das condições sociais para os demais membros da sua comunidade.
[12] Assim também se revela a frustração de muitas vezes ser obrigado a fazer o que não gostaria, apenas para não ser discriminado, como lembra a letra de “Poesia de concreto”, do rapper Kamau: “Entre as paredes de concreto da cidade, se esconde o mundo / de quem faz qualquer negócio só pra não ser tachado de vagabundo / sonhos de adultos se dissipam por segundo a cada insulto do patrão / é o culto do faz de conta que eu sou feliz assim / salário no fim do mês é o que conta paga as contas e faz bem pra mim”.
[13] Que repete, em sua música “Changes”, que algumas coisas nunca mudam: “I see no changes. / All I see is racist faces. / Misplaced hate makes disgrace for races we under”. Tupac é um rapper norte-americano falecido em 1996, também conhecido como 2Pac, considerado o maior rapper de todos os tempos e reverenciado por todos os que o seguiram até hoje.
[14] “Tiriça” pode significar: mulher feia, pessoa ruim, recalcada etc.
[15] Não por acaso, o rapper Rodrigo Ogi intitula seu último trabalho, lançado em 2011, de Crônicas da cidade cinza. Nesse álbum – que Ogi abre com versos de Plínio Marcos (do disco Plínio Marcos em prosa e samba – “Nas quebradas do mundaréu”, de 1974; uma referência de influência explícita), cada música tem um protagonista, um personagem comum, como o nordestino que construiu a cidade (“Eu tive um sonho”), o motoboy (“Profissão perigo”), o ladrão e o policial (dois lados da mesma moeda, em “Por que, meu Deus?”) etc.
[16] “Quebrada” é um termo que se refere ao bairro da periferia, onde o rapper vive.
[17] Aqui, pode-se trazer como exemplo a letra de “Homem na estrada”, dos Racionais (1993): “Faltou água, ja é rotina, monotonia, não tem prazo pra voltar, hã! já ‘fazem’ cinco dias. / São dez horas, a rua está agitada, uma ambulância foi chamada com extrema urgência. / Loucura, violência exagerada. Estourou a própria mãe, estava embriagado. / Mas bem antes da ressaca ele foi julgado.”
[18] “Às 4 da manhã ele acordou / Tomou café sem pão / E foi à rua / Pôr o bloco pra desfilar / Atravessou o morro / E do outro lado da nação / Ficou com medo ao ver / Que seu bloco talvez não pudesse agradar”.
[19] “Saí à captura num ônibus lotado / Às 5 da matina, num dia acinzentado / Eu tava precisando de uma remuneração / Sonhava em superar os meus dias de cão”
[20] Amigos, parceiros.
[21] A publicação, de 19 de agosto de 2013, foi reproduzida no site Rap Nacional Download, disponível em: <http://goo.gl/tRwdOO>.
[22] Como ironiza Jean Baudrillard (2004), criticando o conceito de massa: “esse silêncio é paradoxal – não é um silêncio que fala, é um silêncio que proíbe que se fale em seu nome. E, nesse sentido, longe de ser uma forma de alienação, é uma arma absoluta. Ninguém pode dizer que representa a maioria silenciosa, e esta é sua vingança” (p. 23, grifo do autor).