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Percurso do batuku: do menosprezo a patrimônio imaterial1

Gláucia Nogueira2

glaucia_nog@yahoo.com.br

 

Resumo: O batuku, gênero musical de Cabo Verde, antiga colônia de Portugal na África Ocidental, vem ao longo do tempo passando por algumas transformações. As atitudes face a ele também mudam conforme as características de cada momento histórico e a mentalidade vigente em cada época, indo do menosprezo e estigmatização que se verificavam no período colonial ao estímulo e consagração que passaram a existir após a independência nacional, em 1975. Hoje, o batuku tem na sociedade cabo-verdiana um estatuto bem diferente do que teve no passado. É valorizado; grupos novos estão sempre a surgir; artistas de sucesso têm neste gênero musical a matéria-prima para a sua obra, reelaborando-o. Fica claro que hoje o batuku é visto como um patrimônio de Cabo Verde. Mas nem sempre foi assim. Relatos históricos, textos de jornais antigos e mesmo a literatura, na prosa e na poesia, mostram com abundantes registros como em outros tempos o batuku, um “divertimento de escravos” era apenas tolerado; mais tarde, foi um divertimento dos camponeses também apenas tolerado, e em certos momentos mesmo reprimido. Este artigo procura mostrar o quão diferentes são as atitudes face a esta expressão musical-coreográfica antes e depois da independência de Cabo Verde. A luta de libertação é um divisor de águas nesta história.

Palavras chaves: Batuku, música, Cabo Verde, cultura, patrimônio imaterial

Abstract: Batuku, a musical genre from Cape Verde, a former colony of Portugal in West Africa until 1975, has undergone through time with some transformations. Attitudes to it also change according to the characteristics of each historical moment, ranging from neglect and stigmatization in the colonial period to encouragement and recognition, after independence. Today, Batuku has a very different status than it had in the past in Cape Verdean society. It is now valued, new groups are constantly emerging, successful artists are re-elaborating it, using it as raw material for their productions. Nowadays, Batuku is seen as a cultural heritage of Cape Verde. It was not always so. Historical reports, old newspapers and even literature show with abundant records how batuku regarded, at other times, an "entertainment of slaves", was merely tolerated; later, it was a entertainment of peasants also just tolerated, and at times even repressed. This article seeks to show how different the attitudes to this musical-choreographic expression are before and after the independence of Cape Verde. The liberation struggle is a divider in this story.

Keywords: Batuku, music, Cape Verde, culture, intangible heritage

 

 

Introdução

País da África Ocidental que foi colônia de Portugal até 1975, Cabo Verde é, do ponto de vista territorial, um arquipélago com dez ilhas, das quais nove habitadas. Santiago, a de maior área (991 km2) e população (cerca de 270 mil habitantes), foi a primeira a ser povoada a partir do achamento das ilhas (por volta de 1460), com a clara predominância demográfica de africanos trazidos como escravos da região então chamada Rios da Guiné. Até hoje, é a ilha de Cabo Verde considerada a mais negra somaticamente e mais africana culturalmente, contrastando com as populações mais mestiças de outros pontos do arquipélago.

O batuku3, gênero musical interpretado com base em percussão em panos/almofadas e no canto-resposta, é tido como tradicional de Santiago e efetivamente é apenas nessa ilha que se encontra atualmente, embora se considere que no passado tenha existido em outras. É considerado como a mais africana entre as várias manifestações musicais de Cabo Verde, entre as quais se encontram exemplos que fazem lembrar possíveis influências do fado português, do samba canção brasileiro ou, mais remotamente, da modinha que os antecede, ou exemplos que remetem para outras origens europeias, caso das mazurcas, valsas, etc. As características que aproximam o batuku de padrões africanos de expressão musical e coreográfica têm a ver com o padrão canto-resposta e com a percussão tocada em grupo no centro do qual um dançarino (em geral uma dançarina) evolui. O batuku passou ao longo do tempo por algumas transformações, e se no passado foi visto com menosprezo e como algo restrito ao interior de Santiago, hoje é um gênero musical de prestígio, constituindo a matéria-prima de criação artística de uma vanguarda musical que há cerca de dez anos começou a retrabalhá-lo numa linguagem urbana e contemporânea.

As diferentes atitudes face ao batuku, pelos que o produzem e pelos que o vêem de fora são reveladoras de dinâmicas sociopolíticas e socioculturais de Cabo Verde, no seu processo histórico de colônia a país independente. Reveladoras também de cambiantes ligadas à identidade dos cabo-verdianos, aquela que quiseram/querem ter, conforme a época vivida. São abundantes as referências ao batuku que a pesquisa bibliográfica em periódicos e outras publicações permite encontrar. Vão de relatos de viagem a notícias e artigos de opinião em jornais, trechos de obras em prosa e poesia e legislação, entre outros documentos. Essa produção revela de forma muito nítida como encaravam o batuku, conforme o período histórico, aqueles que escreveram esses textos, ou seja, a elite letrada cabo-verdiana (e, no período colonial, também autores europeus que visitaram Cabo Verde).

 

Período colonial

 

1.1 Séculos XVIII e XIX

 

A mais antiga referência ao batuku encontrada na pesquisa para a dissertação em que se baseia este artigo data do século XVIII. Trata-se de uma proibição, através de um bando (documento legal da época) mandado publicar e afixar em 16 de Setembro de 1772, pelo governador Joaquim Salema de Saldanha Lobo (ALMEIDA, 2006, p. 4). No texto, lê-se que “zambunas”4 propiciam desordens à noite “com tanto excesso, que chega a ser por todos os fins escandalozos a Deus, e de perturbação às Leys, e ao sucego público, prencipalmente por effeito da intemperança dos que se deichão esquecer delles”. Refere ainda que a essas sessões “costumão concurer pessoas estranhas, ou que não pertencem a família de qualquer caza”, numa alusão àqueles que frequentam as sessões de batuku – ou seja, os badios, no sentido que então se dava ao termo5: “Classe de pretos livres e libertos que viviam à margem da economia e sociedade escravocratas” (CORREIA E SILVA, 1995, p. 70-71). O castigo para quem desobedecesse era, da primeira vez, quatro meses de prisão. O texto refere ainda que esta proibição não é a primeira e podemos inferir que a anterior não era cumprida, já que as zambunas acontenciam naquele momento, levando à publicação do bando em questão.

Prosseguindo cronologicamente, temos vários registros sobre o batuku em meados do séc. XIX, época que corresponde ao período final da escravatura em Cabo Verde (a abolição data de 1876) e ao início da imprensa editada localmente (1842). Assim, vemos que quase um século depois do documento citado, o batuku continua a ser alvo de disposições legais que determinam a sua não realização. Através de um edital datado de 7 de Março de 1866 e publicado no BO nº 13, de 31 de Março, o administrador do Concelho da Praia, José Gabriel Cordeiro, proíbe as sessões de batuku em “toda a área da cidade” e, tal como no documento do século anterior, determina a prisão de quem desobedecer. O aspeto moral é também aqui evidenciado – “um divertimento que se opõe à civilização atual do século, por altamente inconveniente e incômodo, ofensivo da boa moral, ordem e tranquilidade pública” – e os seus participantes são referenciados como “povo menos civilizado” (SEMEDO & TURANO, 1997, pp. 127-128).

Além dos textos legais, há desse período alusões ao batuku em relatos de viajantes e textos literários de diferentes tipos, encontrados em publicações editadas em Cabo Verde, Portugal e outros países. Por exemplo, no romance O Escravo (considerado a primeira obra de temática cabo-verdiana, escrito em 1856 e cuja ação se passa em 1835), de José Evaristo de Almeida, lê-se que o batuku era “uma das poucas distrações concedidas aos escravos” (ALMEIDA, 1989, p. 52). Ao longo desta obra encontraremos várias alusões a estas reuniões musicais. Um dos capítulos intitula-se “Reunião de Escravos – Uma história”, e descreve, na cidade da Praia (capital de Cabo Verde) do século XIX, uma casa onde vai se realizar uma sessão de batuku:

A pequena porção de candeeiros, cuja luz era absorvida em parte pelo escuro das paredes, revestidas somente do preparo para o reboco – preparo a que a areia preta, com que traçam aqui a cal, dá uma cor triste – tornava sombrio este local, e pouco próprio a uma partida de prazer (ALMEIDA, 1989, p. 61).

Noutro capítulo da mesma obra, intitulado “O Torno6”, encontra-se a cena de uma sessão de batuku, e o autor inicia a descrição referindo “os sons pouco harmoniosos de três guitarras – que estavam em completo desacordo entre si” (ALMEIDA, 1989, pp.77-78). O texto prossegue com a descrição do torno, e chega o momento em que uma dançarina solista vai para o meio da roda. Os seus movimentos são referidos como lúbricos, a sua performance é descrita como a “lascívia personificada”.

É com minúcia que o batuku aparece descrito pelo naturalista e etnógrafo austríaco Cornelio Doelter y Cisterich, que a caminho do continente africano passou uma temporada em Cabo Verde.

Na ilha de Santiago, por exemplo, a dança mais popular é o batuku, uma dança reminiscente das danças africanas encontradas entre os papeis, mandingas, etc. O batuku consiste num grande círculo formado pelos participantes. Ao som de fortes gritos, um homem e uma mulher emergem do meio do círculo, a dançar em contorções selvagens, que são acompanhadas por gestos tão extremos que dificilmente poderiam ser descritos com palavras. Ao mesmo tempo, os outros participantes marcam o ritmo com as mãos e os pés, enquanto entoam cantos monótonos. Assim como no continente, tais danças podem durar horas, ao longo de toda a noite. Mesmo em casamentos e rituais fúnebres, muitos costumes africanos prevalecem sem ter tido muita influência do Cristianismo. (DOELTER, 1888 apud HURLEY-GLOWA, 1997, pp. 171-172)

É bastante evidente, mesmo numa rápida leitura destes trechos, uma atitude negativa e de reprovação perante o batuku, patente no emprego de termos e expressões como “dezordens”; “excesso”; “escandalozos”; “intemperança”; “que se opõe à civilização actual”; “altamente inconveniente e incómodo”; “ofensivo da boa moral, ordem e tranquilidade pública”; “campo da imoralidade e da embriaguez”; “pouco decente”; e “lascívia personificada”. Percebe-se também a alusão a quem pratica o batuku, ou seja, a camada mais baixa na escala social: “escravos”; “pessoas estranhas, ou que não pertencem a família de qualquer caza”; “classe de pretos livres e libertos”; “povo menos civilizado”, entre outros. Um trecho de Francisco Travassos Valdez, é explícito ao referenciar os “vadios”, ou “badios”, “gente que mais se entrega ao uso de bebidas espirituosas, do que resulta o famoso batuque, e mil dissoluções e molestias” (VALDEZ, 1864, p. 251).

Os locais de realização das sessões são também reveladores: uma casa pouco decente; o “escuro das paredes, revestidas somente do preparo para o reboco” e às quais a areia preta utilizada dá “uma cor triste”; o fato de o local ser “sombrio”… Por sua vez, a música é apresentada com expressões como: “sons pouco harmoniosos”; “guitarras em desacordo entre si”; “infernal”; “sem cadência, sem harmonia e sem gosto”; “o mais desarmonioso possível”; “cantos monótonos”.

Trata-se, pois, de descrições claramente negativas e marcadas por várias ausências: de harmonia, de acordo, de cadência, de gosto, de diversidade de tons. Com a exceção, é verdade, do texto de Almeida, que refere “um outro acompanhamento mais positivo, mais igual e mais conforme ao canto [...] a fazer esquecer velhos pesa­res [...] uma espécie de rufo, que é onde está toda a delicadeza do xabeta7” e ainda a referência às vozes, “que elas possuem de uma extensão a causar inveja ao mais abalizado barítono” (ALMEIDA, 1989, pp. 77-78).

 

 

 

 

Século XX - últimas décadas do regime colonial

 

Ao longo do século XX, várias alusões pela imprensa e outros textos contribuem para o que se pretende mostrar neste artigo: as atitudes face ao batuku ao longo do tempo. Reveladores da mentalidade vigente na época colonial entre a elite letrada, ou seja, formadores de opinião, a maior parte dos trechos aqui apresentados estão carregados de ideias e sentimentos negativos, contrários à normalidade, inferiorizantes ou, ao invocar a proximidade do batuku com a África, não o assumindo como característico de Cabo Verde.

Um trecho da imprensa de 1917, resposta a um artigo anterior, em meio a uma polêmica do momento, contesta um comentário do autor desse primeiro texto: “Lembrou-se o batuque com o propósito de desprestigiar [...] Quiz o crítico deprimir com mais [ilegível] os povos de Cabo Verde, afirmando que dançavam o batuque, parecendo-nos que seja o mesmo que chamar-lhes selvagens?” (LAGE, 1917, p. 2)

“Pobres selvagens.” Esta expressão aparece no poema de António Pedro (poeta e dramaturgo que revolucionou o teatro português no seu tempo, nascido nos arredores da cidade da Praia) que causou celeuma na altura. Consta que o seu livro Diário, publicado em 1929, foi rasgado por um grupo de estudantes e os pedaços remetidos ao autor, criticado pelo seu alheamento à realidade cabo-verdiana. Vivendo em Portugal desde a infância, depois de uma visita a Cabo Verde, aos 20 anos, António Pedro escreveu um poema sobre o batuku com pinceladas de cores vivas, em que destaca o aspecto erótico que dele reteve, com termos como “bacanal!”; “dança doida”; “mole e sensual / meneio de ancas e de ombros”; “cópula carnal”; “passo da dança dela / que me extasia…”; “a negra nua e macia…” (COSTA in FERREIRA, 1997, p. 78-79).

O poeta e jornalista Pedro Cardoso, por sua vez, aproximadamente na mesma época, dedica ao tema várias páginas do seu livro Folclore Caboverdeano. Recordando que quase nada está feito, “nada escrito com método e seriedade” sobre o folclore cabo-verdiano, critica que por vezes as notícias que aparecem em jornais e almanaques prendem-se ao insólito de certos hábitos, reduzindo-os ao anedótico, quase sempre com “o propósito de ridicularizar a ‘selvagidade’ indígena”. Prosseguindo: “No folclore caboverdeano deparam-se, é certo, reminiscências de crenças e ritos gentílicos, notoriamente na ilha de Santiago (batuque, tabanca8, etc.), onde predomina ainda o elemento etíope sem mescla” (CARDOSO, 1983, p. 18). O autor dedica algumas páginas ao batuku, à cimboa9 e a algumas cantigas de finaçon10, que reproduz e sobre as quais escreve: “Finaçon, versos soltos, muitas vezes sem unidade métrica, improvisados ao sabor da fantasia, podiam chamar-se ‘confusão’. Algumas há não de todo destituídas de graça, e outras até envolvendo sentenças” (CARDOSO, 1983, p. 88). Referindo-se a uma das cantigas cuja letra reproduz, escreve em nota de rodapé: “O santiaguense, sendo como fica dito, o menos evoluído dos seus irmãos, excede-os, no entanto, em dedicação e gratidão para com a mãe. Nunca a esquece. Admirável!” (CARDOSO, 1983, p. 95).

Pode-se notar que Pedro Cardoso, embora fosse um intelectual com agudo senso crítico, que valorizava as tradições culturais da sua terra, assinava textos com o pseudónimo Afro e era “um ardente defensor do continente negro e da dignificação do homem africano” (BRITO-SEMEDO & MORAIS, 2008, p. 9), não estava imune às ideias eurocêntricas do seu tempo. Critica os que ridicularizam a “selvagidade” indígena mas não a contesta. Do finaçon, Cardoso salienta a falta de unidade métrica e o fato de ser improvisado, aspetos que associa à “confusão” (contrário de ordem, organização). Algumas cantigas, refere, não são totalmente destituídas de graça, o que faz pensar que, na sua opinião, a maior parte o seja. De modo geral, e tal como outros autores do seu tempo, Cardoso associa Santiago às reminiscências da África, ambos (Santiago e a África) distantes do mundo a que pertence – uma elite ideologicamente “branca”, ainda que os aspetos etnográficos “africanos” o fascinem.

Anos mais tarde, refira-se, Pedro Cardoso terá como empregada doméstica Nha Gida Mendi, uma das três cantadeiras que, depois da independência, terão a sua obra fixada em livro a partir das recolhas do investigador Tomé Varela da Silva, como se verá adiante.

 

1.2.1 - Batuku e os claridosos

 

Ao surgir em 1936, a revista Claridade11 revela já no seu primeiro número o interesse dos seus responsáveis por aspetos etnográficos de Santiago (de que serão exemplos textos de Félix Monteiro sobre a tabanca e de Baltasar Lopes sobre batuku e finaçon), com duas cantigas de finaçon na capa. Baltasar Lopes voltará a estes temas nos números 6 e 7 da revista, e também em Cabo Verde visto por Gilberto Freyre. Nesta brochura, o escritor, que defendia a proeminência da componente portuguesa da cultura de Cabo Verde sobre a sua componente africana, ao fazer um comentário sobre as tabancas da ilha de Santiago – únicas manifestações cabo-verdianas, segundo ele, em que “se podem ainda notar ecos esbatidos de cultos africanos…” –, diz ser possível que ela “despindo-se do seu caráter ritual, viesse a confundir-se com o batuque; isto é, vir a especializar-se numa forma de expressão dionisíaca da vida”. No mesmo texto, faz referência à população de origem africana das Antilhas e outras regiões das Américas, afirmando: “É animada e conduzida na música, no folclore novelístico, na dança, no aproveitamento de valores africanos para a orquestração típica, por apelos que já não atuam por cá” (LOPES DA SILVA, 1958, pp. 19-20; sublinhado da autora).

A intenção de Lopes da Silva era mostrar a maior proximidade cultural de Cabo Verde com a Europa do que com a África. Contudo, a ilha de Santiago não se encaixa nesse padrão, como reconhece o autor ao referir que o terreiro de batuku é o meio que a herança cultural africana proporciona ao santiaguense para definir a sua atitude perante a vida. Ou como escreve a propósito do processo de aculturação:

Já a ilha de Santiago, com suas manifestações culturais típicas – o batuque [...] a tabanca, o cimbó, a magia negra, o tamborona, o folclore novelístico, o seu catolicismo especial, a maior ocorrência de vocábulos de origem africana – ainda se encontra em fase de adaptação. (LOPES DA SILVA, 1947, p. 19)

A mesma postura encontramos em João Lopes, que considera a ilha de Santiago como “em parte um compartimento estanque em Cabo Verde”, que guarda “maior fidelidade às origens africanas, aos seus ritmos originários”. Ainda Lopes, a respeito desta ilha: “Seus batuques evocando na insistência monocórdica do cimbó o que ficou lá longe, em África” (LOPES, 2007, p. 80; sublinhado da autora). Por outro lado, ao escrever sobre a morna12, nas suas palavras “a primeira embaixatriz do mundo espiritual de Cabo Verde”, este autor afirma: “A nossa morna como elemento folclórico tem profundas raízes na nossa psicologia e todo o seu andamento traduz um sentir próprio do nosso povo” (LOPES, 2007, p. 114).

Ressalta destes trechos que, à parte o interesse etnográfico destes autores pelas manifestações culturais de Santiago, a atitude predominante é de considerá-las algo distante: a África com seus batuques, “lá longe”; aqui, a “nossa morna” com a sua melancolia suave. Esta tendência revela-se também nas representações de Cabo Verde nas exposições coloniais em Portugal, nesse período.

 

1.2.2 - A participação de Cabo Verde nas exposições coloniais

 

As representações da colônia de Cabo Verde nas exposições coloniais nunca incluem o batuku. As expressões musicais que levam este nome e que aparecem nesses eventos – com grande sucesso de público, aliás, pelo seu exotismo e exuberância – são as da Guiné, Angola, Moçambique. Estes músicos e dançarinos das colônias portuguesas mereceram, durante a realização da Primeira Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) e da Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940), grande destaque nas páginas da imprensa de então. Durante todo o Verão de 1940, os jornais trazem anúncios e artigos sobre espetáculos de batuques africanos que se realizam, a partir do início de Julho, semanalmente, para mais tarde entre Agosto e Setembro serem praticamente diários13. Veja-se um comentário publicado na imprensa após um deles:

O europeu acolhe, assim, sempre, com delícia, o espetáculo dos costumes e das curiosidades de outros povos que [...] conservam estranhezas e pitorescos.

O que é um batuque? O termo, por si só, é uma trepidante evocação da dança exuberante e colérica, em que palpita a própria alma e o mistério doloroso e frenético da selva. Há ali como que uma repercussão temível das arremetidas e dos uivos das feras, precipitadas através da floresta deusa na ânsia vertiginosa e feroz do ‘stuggle for life’ [...] e os arrebatamentos do amor, as contorções ciosas e brutais que preludiam o êxtase; a submissão dolente do homem sob os raios ardentes de um sol que fustiga [...] Que fantástica orquestração de ritmos, de brados, de apelos, de espasmos se traduz no batuque! (PAMPULHA, 1940)

O que representa Cabo Verde nestes eventos, do ponto de vista musical, é sempre a morna, com a sua melancolia e sentimentalismo. São reveladores os trechos a seguir, extraídos de uma conferência sobre a morna proferida no âmbito da Exposição Colonial de 1934. Para o seu autor, o escritor Fausto Duarte, o batuku praticamente não existe, tendo sido destronado pela morna, que aparece como uma evolução da barbárie/ sensualidade/voluptuosidade africana para a suavidade/melancolia/sentimentalismo romântico que se pretende ser a caraterística do cabo-verdiano. Uma clara intenção de branqueamento da cultura cabo-verdiana emana deste texto, como se pode inferir de trechos como: “Os seus cantares não têm aquela alegria esfuziante que caracterizam os batuques do continente negro”; “O batuque é toada ruidosa a ritmo desconcertante”; ou “O batuque apaga-se ante a modalidade da nova dança onde não existe qualquer reminiscência da ancestralidade negra”. A conclusão do conferencista é que “a feição típica” de Cabo Verde do ponto de vista musical reside na morna e no violão, pois a primeira destronou o torno e o instrumento introduzido pelos europeus fez esquecer a cimboa e o tambor. (DUARTE, 1934, pp. 11,13,16-17)


 

1.2.3 - A repressão do batuku

 

Várias pessoas que sentiram na pele a repressão ao batuku e a outras formas de festejos populares, como o tradicional baile de gaita (acordeom), antes da independência de Cabo Verde, deixaram os seus depoimentos, como Codé di Dona (1940-2010), que contava ter sido multado por tocar uma noite inteira no batismo do seu filho, nos anos 60. Camponês, vivendo nas condições que a precária economia agrária do arquipélago consentia, o músico não tinha como hospedar todos os convidados:

Não tinha cama para toda a gente poder se deitar, não tinha carro, então peguei a gaita e toquei. No outro dia mandaram intimação. Fizeram queixa de mim no regedor [...] 300 mil réis de multa, naquele tempo era como 600 contos hoje. Eu não tinha aquele dinheiro (Codé di Dona, informação verbal)14.

Nácia Gomi (1925-2011), por sua vez, personagem que é um dos ícones do finaçon, dizia recordar-se que, à data do seu casamento em 1959, o batuku estava proibido desde 1941 (havia quase 20 anos); que os catequistas eram instruídos a denunciar as festas com batuku; e que os padres se recusavam a casar pessoas em cujas casas havia batuku (entrevista a Orlando Rodrigues, Agência Lusa, 2004, apud GONÇALVES, 2006 p. 28).

Hurley-Glowa, na sua tese sobre a música em Santiago, refere que, ao questionar pessoas em Cabo Verde sobre o batuku já ter sido proibido, a geração mais velha tendia a responder que a repressão não era do governo, mas da Igreja Católica, e que os sacerdotes se opunham à livre expressão da sexualidade e do tom de desafio encontrado no batuku. Tchim Tabari respondeu-lhe que as autoridades, embora não gostando muito do batuku, nunca impediram o povo de o praticar nos seus próprios bairros. Não podia era subir ao Plateau15 (HURLEY-GLOWA, 1997, pp. 184-185).

Os documentos da Administração do Concelho da Praia referentes aos anos 40 e 50 existentes no Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde revelam alguns aspetos desta questão. Para já, a existência de normas que exigiam a solicitação de uma autorização ou licença para a realização de bailes, ainda que fossem em casas privadas, e de outras festas, como a tabanca, à qual a música do batuku está associada (IAHN, Cx. 26). Numa autorização de 1947 especifica-se que são proibidos “cânticos e gritos desordenados”. Sabendo-se que a música de baile nessa época era tocada por grupos compostos basicamente por violas e outros instrumentos de corda, sendo o violino quase sempre o instrumento solista, cabe questionar se não era ao batuku que se referia a proibição dos referidos cânticos e gritos.

Sobre a ação da Igreja Católica no combate aos folguedos populares e profanos, vários documentos são reveladores. Em 1956, eclesiásticos pedem às autoridades administrativas que proíbam os bailes por ocasião das festas religiosas, tendo aquelas autoridades agido de acordo com essas solicitações. Para a festa de S. Lourenço, a 10 de Agosto, o pároco de Órgãos pede ao administrador do município da Praia para “não dar licença para baile em nenhuma parte dos Órgãos, por ocasião da mesma festa de S. Lourenço, quer dias antes, quer no dia, quer nos dias seguintes”. Como resultado, o administrador escreve ao regedor da freguesia dos Órgãos incumbindo-o de tomar “as medidas necessárias para evitar a realização de festas e bailes” naqueles dias. O mesmo se passa em Pedra Badejo por ocasião do dia de Santiago Maior, patrono daquela freguesia (IAHN Cx. 58).

Esses documentos não fazem referência explícita ao batuku, mas é possível inferir que incidiam sobre ele, entre outros itens dos bailes, já que esta modalidade de música e dança é até hoje uma das formas mais frequentes de comemoração no interior de Santiago. Quanto mais não seriam então naquela época, em que as influências musicais exógenas eram muito mais limitadas.

 

Cabo Verde independente

 

Uma nova atitude face ao batuku e a outras manifestações da cultura popular só aparecerá na esteira das ideias nacionalistas que, a partir de meados da década de 50, irão desembocar na luta anticolonial. Após mais de uma década de luta armada, em território da então chamada Guiné Portuguesa, o processo, acelerado pelo golpe de Estado ocorrido em Portugal no 25 de Abril de 1974, culminou na independência dos dois territórios que passaram a ser as atuais repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.

Kaoberdiano Dambará (Felisberto Vieira Lopes), advogado, poeta e militante da luta de libertação, publica em 1964, em Paris, um livro intitulado Nôti (Noite, em cabo-verdiano), no qual o poema “Batuko” é um ato de afirmação e reivindicação política e cultural. O poema é gravado num LP editado também na Europa, no início dos anos 70, Poesia caboverdiana, protesto e luta, como instrumento de conscientização dos cabo-verdianos.

 

Batuku


 

Nha fla-m, Nha Dunda, kus'e k'e batuku?

Nha nxina mininu kusa k'e ka sabe.


 

Nha fidju, batuku N ka se kusa.

Nu nase nu atxa-l.

Nu ta more nu ta dexa-l.

E lonji sima seu,

fundu sima mar,

rixu sima rotxa.

E usu-l tera, sabi nos genti.


 

Mosias na terreru

tornu finkadu, txabeta rapikadu,

Korpu ali N ta bai.

N ka bai. Aima ki txoma-m.

Nteradu duzia duzia na labada,

mortadjadu sen sen na pedra-l sistensia,

bendedu mil mil na Sul-a-Baxu,

kemadu na laba di burkan,

korpu ta matadu, aima ta fika.

Aima e forsa di batuku.

Na batuperiu-l fomi,

na sabi-l teremoti,

na sodadi-l fidju lonji,

batuku e nos aima.

Xinti-l, nha fidju.

Kenha ki kre-nu, kre batuku.

Batuku e nos aima!16

 

Outro exemplo da nova atitude perante o batuku encontra-se num artigo publicado quase às vésperas da proclamação da independência, quando comícios e saraus culturais passam a integrá-lo. Depois de ter assistido a um desses eventos, aliás, organizado pelo Ministério da Educação e Cultura do governo de transição (19.12.1974-05-07.1975), Manuel Delgado escreve:

O batuco só ganhou o di­reito de subir a um palco de teatro com a subida ao palco da História do povo que o criou. Neste sentido é novida­de [...] Apetece perguntar quem foi aplaudido: o ritmo desenfreado e as pala­vras entre dentes ou o povo que dançou? O momento de libertação é um momento de orgulho e o orgulho de um povo tem que ser traduzido em arte: canto, dança ou palavras ou mesmo uma simples estrela negra17 pin­tada em qualquer parte (DELGADO, 1975, p. 6).

Lembrando que os povos africanos que escaparam à es­cravatura direta “têm um tambor esculpido, máscaras, todo um cenário que conseguiram resguardar da barbárie colonial”, o autor afirma que Cabo Verde, por ter vivido em pleno o colonialismo e a escravatura, ficou desprovido de certos requintes artísticos. Os cabo-verdianos, no seu entender, só puderam construir esta forma de arte a partir daquilo que possuíam, ou melhor, daquilo de que padeciam: pobreza. Delgado salienta que essa arte feita qua­se sem material “é uma mani­festação de orgulho”.

As palavras do autor, então um jovem engajado na luta do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) contra o regime colonial, revelam justamente um momento de viragem na atitude da sociedade (através dos seus formadores de opinião) face a esta – como a outras – manifestação da cultura popular. E dá pistas sobre o desafio do partido-Estado, uma vez conquistada a independência: “Mas na arte como na agri­cultura, enquanto não tiver­mos tambores esculpidos, te­mos que dançar ao som de far­rapos como temos que utilizar burros enquanto não tivermos estradas” (DELGADO, 1975, p. 6).

Em Setembro de 1975, dá-se a estreia do grupo de teatro amador Korda Kaoberdi (Acorda Cabo Verde). O próprio nome é por si um chamado para que os cabo-verdianos despertem para a sua própria realidade e cultura. Neste grupo, o batuku teve um papel de destaque através daquela que liderava essa parte dos espetáculos: a batukadeira Tchim Tabari (Cipriana Tavares, 1922-2003). Com o Korda Kauberdi, o batuku será levado em 1981 para o Festival Internacional de Teatro Ibérico, no Porto, como parte da peça Rai de Tabanka (Rei da tabanca) mas antes disso o grupo já atuara nas ilhas de S. Vicente e Fogo e na Guiné-Bissau (Bissau e interior), nas comemorações do aniversário da independência, em 1976. Nesse período, verificam-se deslocações de grupos de batuku para apresentações em diferentes municípios e ilhas, organizadas por entidades ligadas ao partido – então único – no poder.

Naqueles primeiros tempos do pós-independência, “pouquíssimos conheciam o batuku. Foi uma descoberta para eles”, diz o líder do Korda Kaoberdi, Francisco Fragoso (NOGUEIRA, 2011, p. 74), referindo-se ao grande número de profissionais e militantes do PAIGC que se transferem do estrangeiro ou de outras ilhas para a capital, nessa altura, o que mostra que o batuku era praticamente desconhecido fora do seu contexto de origem. É interessante notar que vários dos artigos em periódicos dessa época parecem procurar divulgar o batuku para aqueles que não o conhecem e convencer os leitores do seu valor: “Uma das mais genuínas manifes­tações culturais do povo de Santiago”; “a oportunidade de ver em ação autênticos artistas populares, muitos deles praticamente desco­nhecidos do público da capital e arredores” são enunciados presentes num artigo que dá conta de um concurso de batuku presenciado pelo primeiro-ministro e altas autoridades nacionais (CONCURSO…, 1984, p. 5).

Por sua vez, a Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), entidade ligada ao PAIGC, teve um papel importante na valorização do batuku, seja ao dinamizar grupos e ao organizar concursos e apresentações como também através da sua revista mensal, Mujer, que em várias ocasiões publicou textos sobre o tema. Um deles é um perfil (com duas páginas!) de uma menina batukadeira de 13 anos (CONVÍVIO…, 1984, p. 12-13). Bibinha Cabral, uma das mais importantes cantadeiras de finaçon, foi em duas ocasiões tema de artigos na revista (OSÓRIO, 1984; FINAÇÃO, 1984).

Passada uma década da independência, podemos constatar que a luta por uma nova mentalidade do ponto de vista cultural – de que o batuku beneficia, passando a ser valorizado – é uma realidade. Em 1985 realiza-se uma Semana de Defesa do Patrimônio Histórico. O então ministro da Educação, Corsino Tolentino, na sua intervenção durante o evento e referindo-se à identidade cultural e à luta de libertação, afirma que a primeira “foi um dos pilares da segunda, como elemento galvanizador das forças de rutura com o colonialismo” (‘A DEFESA…, 1985, p. 4). Em 1987, um comunicado do Ministério da Cultura anuncia uma série de ações prioritárias neste domínio (MINISTÉRIO…, 1987, pp. 2-3). Ainda a respeito das relações entre a cultura e a luta de libertação, o mesmo Delgado que escrevera sobre o batuku em 1975 irá considerar, anos depois:

“A independência política de Cabo Verde não teria sido possível nos moldes em que foi se o PAIGC não tivesse tido a ‘sagesse’ de desenterrar e fazer explodir toda a cultura popular cabo-verdiana. A tabanka, o batuque, tiveram um papel catalisador, fundamental no processo de consciencialização em Cabo Verde.” (LABAN, s/d, p. 746).

Percebe-se nesses trechos que a nova mentalidade baseada nos princípios nacionalistas favorece claramente os aspetos culturais antes menosprezados ao mesmo tempo que se vale deles para a sua própria afirmação.

Em termos práticos, pode-se afirmar que é a publicação de três livros de recolhas de cantigas de batuku e finaçon, realizadas por Tomé Varela da Silva18, que atesta a valorização do batuku como elemento da cultura cabo-verdiana, assumido como patrimônio imaterial, ainda que, na altura em que saem essas obras, a própria Unesco está a dar os primeiros passos, com a Recomendação de 1989, do que virá a ser a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003. Trata-se de Ña Bibiña Kabral – Bida y Obra (1988), Finasons di Ña Nasia Gomi (1988) e Ña Gida Mendi – Simenti di Onti na tchon di mañan (1990).

 

2.1. Batuku na moda

 

A partir dos anos 90, passa-se a encontrar com frequência na imprensa e outras fontes, dados sobre o batuku como representação artística de Cabo Verde na programação oficial do país em eventos culturais no estrangeiro, algo que não acontecia antes. A Expo 92, em Sevilha, Espanha; o Festival of American Folklife, da Smithsonian Institution, em Washington DC, em 1995; e A Expo Lisboa, em 1998 são exemplos.

Ao mesmo tempo, começam a aparecer gravações de batuku editadas em CD, como no disco Music From Cape Verde, de 1993, editado na Suécia, com cantigas de Nácia Gomi gravadas na sua própria casa. Seis anos depois irá sair, gravado já num estúdio profissional, Nacia Gomi cu ses mocinhos, e em 2005 Finkadus na Raiz, composições dela com Ntóni Denti d´Oru, rara personagem masculina neste contexto. Nácia Gomi teve também uma participação no CD Rei di Tabanka, do Ferro Gaita, um dos grupos de maior sucesso em Cabo Verde, aliando a música tradicional à instrumentação e arranjos contemporâneos. Estes são apenas alguns entre vários exemplos de trabalhos discográficos dedicados especificamente ao batuku ou em que ele aparece. Mas já nos anos 80 alguns artistas tinham-se debruçado sobre este ritmo, como Norberto Tavares (1979), João Cirilo (1982) e o grupo Bulimundo, cujo terceiro álbum tem justamente o título Batuco (1980). Refira-se que estes três nomes estão ligados ao funaná, gênero musical associado tradicionalmente à ilha de Santiago, tal como o batuku, e que nos anos 80 passou por um processo de apropriação por parte de músicos urbanos, deixando de ser uma manifestação meramente regional e gerando vasta discografia.

A partir dos anos 90, aparecem outros trabalhos de artistas provenientes de diferentes estilos musicais que se baseiam no batuku, nele se inspiram ou dele se aproximam, de alguma forma, como Eutrópio Lima da Cruz (1991; 2000) e Vasco Martins (1996; 2007) , na área erudita, e todo o grupo que, a partir de finais da década de 90, surgirá a trabalhar o ritmo do batuku com instrumentos da música urbana contemporânea, em que se incluem Tcheka (2003; 2005), Princesito (2008), Mayra Andrade (2006), Lura (2003; 2004), entre outros. Orlando Pantera, que se tornou um ícone desta tendência, chega mesmo a compor um tema em que afirma que o batuku está na moda (Lura (2004, faixa 1). Verifica-se, ao mesmo tempo, que compositores que antes produziam habitualmente mornas e coladeiras19 passam a compor músicas com o ritmo do batuku, e essas composições são gravadas por intérpretes também não ligados essencialmente à área do batuku, mas que possuem um repertório eclético abrangendo os vários gêneros musicais cabo-verdianos. Por outro lado, assiste-se nos últimos anos ao aparecimento de uma profusão de grupos do batuku dito tradicional, baseado na percussão e canto-resposta, formado na maior parte das vezes unicamente por mulheres. Procuram inserir-se na modesta indústria cultural de Cabo Verde, gravam CD e DVD, atuam em festivais e outros eventos, demonstrando grande iniciativa.

Nas duas vertentes em que se apresenta na atualidade – o tradicional (que contudo interage com os mecanismos da indústria cultural, não se restringindo a um espaço marginal ocupado outrora) e o reelaborado pela nova geração –, o batuku revela pujança e capacidade de adaptação, contrariando vozes puristas que em alguns momentos decretaram o seu fim devido às “deturpações” que o passar do tempo e as mudanças socioculturais lhe trouxeram.

 

Considerações finais

A exposição cronológica das diferentes atitudes – e ações delas decorrentes – face ao batuku mostra o quão dinâmica e marcada por questões ideológicas é a maneira de se encarar determinada expressão cultural, revelando a questão de poder que lhe está subjacente e tornando óbvio que o patrimônio cultural é algo construído a partir de escolhas. No caso de Cabo Verde, a morna apareceu durante muito tempo como elemento representativo de todo o arquipélago em detrimento das expressões musicais de Santiago, como o funaná e o batuku, praticados pelas camadas baixas da sociedade (camponeses) e representativos da ilha de Santiago (a “mais africana”), enquanto a elite apreciava a morna20 e a música brasileira.

Assim, tal como outras expressões musicais que são ícones da cultura dos seus países – como o samba, o fado, o tango –, originários também elas de grupos subalternos, o batuku no seu processo de aceitação e valorização passa também por uma renovação, atraindo artistas das gerações mais novas, incorporando novas linguagens e sons e prosseguindo o seu percurso como expressão cultural vigorosa e marca identitária – uma delas – do país.

Neste início do século XXI, o batuku aparece como uma forma de arte como várias outras em Cabo Verde. Mas como já se afirmou no início deste artigo, nem sempre foi assim. Parece oportuno apresentar, como balanço de todo esse percurso do batuku, a visão de Franco Crespi ao comentar o quão problemático é o termo arte. Aplica-se, segundo este autor,

segundo diferentes contextos socioculturais, particularmente os relacionados com as estruturas sociais (estrati­ficação de classes e de camadas, formação das elites, distribuição do poder, situações de centralidade e marginalidade, modos de produção, formas de con­sumo, nível da técnica, etc.) e com características do sistema cultural domi­nante, nas suas formas e nos seus conteúdos (valores estéticos, morais, sociais, estilos de vida, homogeneidade e heterogeneidade, etc.). (CRESPI, 1997, p. 171)

Seguindo esta linha de ideias, o termo “arte” é problemático porque não existem critérios absolutos para definir o que é arte e o que não é, e os critérios em que se baseia a atribuição do adjetivo “artístico” a determinada forma expressiva se alteram com o tempo – algo que a história do batuku nos últimos cinquenta anos mostra com exemplos abundantes.

Estudar esse percurso do batuku foi, por outro lado, uma forma de revelar aspetos da trajetória do povo cabo-verdiano, do ponto de vista histórico e cultural. Como afirma o autor da frase citada anteriormente, que foi o mote para a escolha do tema da dissertação de mestrado que está na origem deste artigo, “o batuco só ganhou o di­reito de subir a um palco de teatro com a subida ao palco da História do povo que o criou” (DELGADO, 1975).

 

Referências

 

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1 Este artigo é uma adaptação da dissertação de mestrado em Património e Desenvolvimetno defendida pela autora na Universidade de Cabo Verde em Março de 2011, intitulada “Batuku, património imaterial de Cabo Verde. Percurso histórico-musical”.

2 Jornalista e antropóloga, mestre em Património e Desenvolvimento pela Universidade de Cabo Verde. No âmbito de pesquisas sobre a música em Cabo Verde, é autora de: O tempo de B.Léza, documentos e memórias (IBNL, Praia, 2006), Notícias que fazem a história – A música de Cabo Verde pela imprensa ao longo do século XX (ed. autor, Praia, 2007) e B.Léza, um africano que amava o Brasil (Ministério da Educação, Brasília, no prelo).

3 Para diferenciar de outras manifestações culturais denominadas “batuque”, existentes em diferentes países africanos e no Brasil, utiliza-se a grafia “batuku” (segundo o Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano) para identificar o gênero musical que é tema deste artigo.

4 Zambuna, ou sambuna: no contexto do documento de proibição é o equivalente a uma sessão de batuku. Contudo, no contexto dos que o praticam, é uma das partes da sessão.

5 Actualmente, o termo badio designa simplesmente as pessoas da ilha de Santiago, tendo perdido a conotação pejorativa de teve no passado.

6 Torno: durante uma sessão de batuku, é o momento da dança.

7 Xabeta, chabeta, tchabeta: é o som produzido pela percussão durante uma sessão de batuko. Recentemente, contudo, o termo tem aparecido a identificar o instrumento utilizado: almofada de napa ou pedaço de tecido enrolado, por vezes colocado dentro de um saco plástico, o que aumenta o som.

8 Tabanca: associação mutualista que, entre outras atividades, comemora os santos católicos com manifestações que misturam aspetos religiosos e profanos. Resistiu a formas de repressão e a escassez de recursos. No presente, restringe-se praticamente à parte festiva e a desfiles de rua.

9 Cimboa, cimbó: instrumento cordofone construído com uma cabaça ou casca de coco e revestido com pele de cabra, tendo uma única corda, feita de fios de rabo de cavalo. Presente em vários países africanos, onde recebe diferentes denominações. Praticamente em desuso em Cabo Verde, apesar de algumas iniciativas para ensinar a construí-lo. Tradicionalmente, aparecia a acompanhar as sessões de batuku.

10 Finaçon: parte da sessão de batuku em que um solista canta improvisando sobre temas do momento ou enunciando provérbios e máximas da tradição popular local. Na altura em que se canta o finaçon, o acompanhamento torna-se baixo e suave, não se dança, é hora de ouvir mensagens. Para alguns autores, trata-se mais de um tipo de poesia oral do que de uma forma musical. Há, por outro lado, autores que tendem a associar quem canta o finaçon à figura do griot, encontrada em vários povos da África Ocidental, aspecto contudo discutível dadas as caraterísticas de cada um.

11 Claridade: o nome da publicação, que existiu intermitente desde 1936 até 1960, designa também o movimento literário que lhe está associado e que foi um divisor de águas na literatura cabo-verdiana, influenciado pelas tendências da época, em particular dos autores brasileiros com temática nordestina, como José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, ou poetas como Manuel Bandeira, entre outros. Os seus principais representantes são: Baltasar Lopes da Silva, Manuel Lopes, João Lopes e Jorge Barbosa.

12 Morna: género musical cabo-verdiano de sonoridade mais próxima da tradição europeia. Poderia ser apontado como um antípoda do batuko, pelo status que tiveram no passado. Recebeu nítida e reconhecida influencia da música brasileira, lembrando por vezes o samba-canção.

13 Pesquisados para encontrar referências à participação cabo-verdiana os jornais Diário de Lisboa (01.05.1940 a 06.12.1940); O Século (04.04.1940 a 06.12.1940) e República (01.05.1940 a 06.12.1940).

14 Entrevista em Julho 1998, S. Francisco, ilha de Santiago, Cabo Verde.

15 Plateau: centro histórico da cidade da Praia, formado por um pequeno número de ruas, que corresponde ao que, até a época da independência, era considerada a zona urbana da cidade.

16 Tradução de Manuel Freitas (com assistência da versão inglesa de Manuel da Luz Gonçalves): Diz-me, Nha Dunda, o que é Batuku? /Ensina aos meninos o que sabes. Meus filhos, Batuku não sei que seja. / Nascemos e aqui o encontramos. / Morremos e aqui o deixamos. /É longe como o céu, fundo como o mar, rijo como rocha. / E digo-te, sabe-nos bem. / Moças no terreiro / ancas fincadas, tocando txabeta / o corpo pronto a morrer. / Mas eu não morro. A Alma chama-me. /Dúzias e dúzias enterrados em campa rasa, / centenas e centenas mortos no desastre da Assistência, / milhares e milhares obrigados a trabalhar em São Tomé, / queimados na lava do vulcão, /os corpos morrem mas a alma fica. /A alma é a força do batuku. / Resistindo à fome, / enfrentando os terramotos, / com a saudade dos filhos longe, / o batuku ‚ a nossa alma. / Sintam-no, meus filhos. / Quem nos ama, ama o batuku. / O batuku ‚ a nossa alma! http://www.umassd.edu/SpecialPrograms/caboverde/cvkriolp.htm.

17 Estrela negra: alusão ao símbolo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que conduziu a luta pela independência.

18Refira-se que estas recolhas constituem uma pequena parte do trabalho deste investigador com as tradições orais de Cabo Verde, que já rendeu, até 2011, cerca de meia dúzia de livros, excluídos os aqui referidos. Tradução dos títulos: Nha Bibinha Cabral, vida e obra; Finaçons de Nha Nácia Gomi; Nha Gida Mendi, semente de ontem no solo de amanhã. Estas três personagens foram figuras importantes como cantadeiras de finaçon, arte hoje pouco praticada.

19 A coladeira, tal como a morna, é associada sobretudo à ilha de S. Vicente (embora ambas sejam praticadas em todo o país), por oposição a Santiago, da qual o batuku é um ícone.

20 Ver a respeito a tese Mornas e coladeiras de Cabo Verde: versões musicais de uma nação (2004), de Juliana Braz Dias, que trata em pormenor da primazia da morna no processo de construção da identidade cabo-verdiana.